Hoje, primeiro dia do mês de Março, é dia de nova entrevista exclusiva aqui no Lydo e Opinado, como já se tem tornado regular. A escritora que convidámos este mês é Inês Botelho - autora da trilogia do Ceptro de Aerzis, e dos livros «Prelúdio» e «O Passado que Seremos» (este último lançado há muito pouco tempo). A autora dispôs-se com simpatia a responder às questões, e aqui estão elas para todos os leitores do blog.
Muito obrigado Inês Botelho por esta oportunidade! Esperemos que gostem da entrevista.
1. Inês Botelho, decidiste começar a escrever «A Filha dos Mundos» nas férias entre o 10º e o 11º ano. Antes disso já tinhas tentado outros projectos em que acabavas por desistir, ou aquele foi mesmo o primeiro?
Aos 10 anos convenci-me que ia ser escritora e comecei várias histórias que depressa abandonava; nenhuma tinha uma estrutura ou um enredo que me cativassem. Aos 12 anos a ideia de ser escritora parecia-me absurda e durante alguns anos a minha relação com a escrita limitou-se ao estritamente necessário para a escola. Por fim, aos 15 anos, surgiu-me uma ideia que parecia interessante e potencialmente desafiante. Propus-me a concretizar finalmente um projecto deste género e comecei a desenvolver a história. Foi assim que nasceu a trilogia.
2. Conta-nos a experiência que foi escreveres «A Filha dos Mundos» durante o Verão de 2002 – tinhas ideias constantemente, precisavas de parar de vez em quando para reflectires na história…?
Tenho, desde o início, um processo de escrita dividido em três fases: investigação/preparação, escrita efectiva, revisão. Só ligo o computador para escrever quando considero que terminei a primeira fase. Isso permite-me construir bases de trabalho, conhecer bem as personagens e saber por onde quero levar a história; claro que não determino todo o enredo, mas estabeleço os pontos fulcrais. A história roda sempre no consciente e no subconsciente, as ideias aparecem frequentemente e todos os dias acrescentam-se ou retiram-se detalhes e pormenores. No entanto, como quando escrevo o essencial já está definido, não preciso de parar a tentar perceber a melhor forma de orientar o que vem a seguir. Além disso, a revisão é a altura ideal para limpar, brunir e aprimorar um texto.
No caso específico d' A Filha dos Mundos, lembro-me de correr para o computador a cada minuto livre e de escrever depressa, muito depressa, se calhar demasiado depressa. Foi uma experiência muito sôfrega e inocente, sem dúvida mais inconsciente e pura do que aconteceu com qualquer um dos outros livros.
3. Tens guardado o momento em que acabaste de escrever o teu primeiro livro? Descreve-nos a sensação, o que te passou pela cabeça nesse instante. Já não me lembro das palavras exactas, mas a ideia geral era: Consegui. Não fiques demasiado contente, não fiques demasiado contente... Um terço feito; agora vou levar isto até ao fim.
4. Decidiste de imediato que querias publicar? Como decorreu o processo até teres visto o teu livro na prateleira de uma livraria?
Talvez no fundo nunca tenha decidido publicar o livro; perante a insistência de outras pessoas, limitei-me a aceitar que enviassem para algumas editoras os exemplares necessários. Claro que me envolvi no processo: seleccionei as editoras que mais me interessavam, escrevi as cartas de apresentação, falei com os editores, mas não vivi a espera numa ânsia ou preocupação constantes. Uma resposta positiva seria uma alegria extra, mas não teria ficado magoada ou desanimada se tal não tivesse acontecido.
Creio que, depois de o livro ser aceite, entre revisão do texto, elaboração da capa, paginação e impressão, o processo de edição demorou cerca de meio ano. Foi interessante aprender esse lado da produção de um livro e confesso que, enquanto amante dos livros como objecto, gostei de segurar num com o meu nome; parecia tão irreal e estranho quanto maravilhoso.
5. Seguiram-se os outros dois volumes da trilogia «O Ceptro de Aerzis». A reacção do público a esta tua saga de fantasia foi a esperada?
Não, de modo algum; foi muito melhor do que algum dia fantasiei. Parti para a publicação sem qualquer tipo de expectativa, o que é sempre prudente, e portanto a aceitação que os livros tiveram, e têm, apanhou-me de surpresa. No fundo, talvez achasse que apenas os amigos e os conhecidos iriam ler a trilogia.
6. Dessas tuas três primeiras criações, qual foi aquela que te deu mais gozo escrever (não tem necessariamente de ser o mais evoluído tecnicamente)?
A Rainha das Terras da Luz, terceiro livro da trilogia. Como já me movimentava com mais à-vontade por entre os vários aspectos da escrita, soltei-me mais. Além disso, o terceiro livro tem um diálogo que adorei escrever.
7. Subitamente, mudas o estilo que tinhas usado até então, quando escreveste o «Prelúdio». Apeteceu-te inovar, distanciares-te do que te tinhas debruçado por três anos?
Por um lado sim, no entanto já tinha decidido escrever o Prelúdio a seguir à trilogia quando ainda trabalhava n' A Senhora da Noite e das Brumas. A verdade é que não me preocupo com rótulos ou categorias. O meu único critério é a potencialidade da ideia base; tem de me parecer desafiante e um bom ponto de partida para criar um livro com qualidade.
8. O teu novo romance – O Passado que Seremos – vem nos mesmos moldes do «Prelúdio»? Ou temos diferenças logo à partida entre os dois?
Ambos são romances contemporâneos, mas claro que têm diferenças de temática, abordagem, estrutura. O passado que seremos divide-se por dois protagonistas que narram sempre na primeira pessoa e que nitidamente pertencem a uma geração específica: a minha. Por outro lado, se no Prelúdio se verificava um certo negrume temperado por uma constante esperança, O passado que seremos é mais alegre, ainda que não menos assombrado.
9. A que tipo de leitores aconselharias vivamente a lerem «O Passado que Seremos»?
Só os clássicos e as grandes obras contemporâneas são leituras a recomendar com insistência. Contudo, acredito que quem estiver interessado em conhecer melhor a minha geração, em se converter em duas pessoas diferentes ou em se deixar envolver numa prosa algo melódica, não ficará desiludido com O passado que seremos.
10. Até agora só te aventuraste pelos caminhos da prosa… ou já experimentaste poesia e peças de teatro, sem intenções de publicar?
Quando escrevi poesia, ou melhor, quando escrevi em verso, foi apenas por obrigação. Não compreendo a técnica da poesia, não me movimento bem nesse campo. Prefiro deixar a poesia para quem a conhece e escreve muito melhor do que eu algum dia serei capaz.
A nível escolar, escrevi algumas peças de teatro e guiões para curtas-metragens. Profissionalmente ainda não desenvolvi nada nessas áreas, embora me agradasse explorá-las.
11. Quando escreves preferes silêncio, ou não dispensas música a tocar de fundo – como forma de inspiração?
A música é um excelente indutor de sensações e, às vezes, um grande desencadeador da corrente de palavras; pode revelar-se muito útil. Antes, nunca a dispensava. Agora demoro mais a ligá-la; só o faço quando tenho a certeza que entrei no ritmo e na melodia do texto e que não serei enganada ou demasiado condicionada pela música que ouvir.
12. Estabeleces metas numéricas em termos de escrita (por exemplo, x páginas por semana), ou deixas-te levar pela abundância da imaginação?
A abundância da imaginação é uma ilusão que certas pessoas gostam de propagar. Acontece, mas resulta mais de trabalho do que de inspiração. A escrita é uma actividade menos romântica do que se costuma assumir; o escritor não serve de tradutor de algum tipo de intervenção divina. Escrever um livro implica trabalho, investigação, estruturação, tentativas, erros, revisões, correcções, insistência, resolução de problemas. Por isso, tento cumprir um objectivo de x páginas por dia, embora isso às vezes se revele impossível; há sempre dias que correm pior.
13. Para as cenas que descreves nos teus livros… é mais frequente teres essas ideias inspirando-te em circunstâncias reais, ou surgirem-te do nada na mente? No que diz respeito à inspiração e aos raciocínios, nada vem do nada. Prefiro distanciar-me das circunstâncias que vivo ou observo directamente, no entanto, de modo mais ou menos perceptível, aquilo que construo tem por base o que experimentei, vi, observei, pensei, imaginei, interpretei.
14. Explorando agora o teu lado de leitora – lês muito? Que géneros, e autores, mais aprecias?
Adoro ler; sou completamente viciada em leitura e incapaz de ficar alguns dias seguidos sem ler. Além disso, não conheço nenhum escritor que não seja primeiro um leitor ávido; é fundamental.
Também aqui o género não me preocupa. Só a qualidade do livro interessa, a categoria é irrelevante. Gosto de muitos autores, mas ultimamente tendo a não me centrar demasiado neste ou naquele escritor; prefiro escolher por livro. Dos que li há pouco tempo, gostei muito de 1984 de George Orwell, Manhattan Transfer de John dos Passos, The Handmaid's Tale de Margaret Atwood, Lord of the Flies de William Golding, Ilium de Dan Simmons, o nosso reino de valter hugo mãe, Lisboa Triunfante de David Soares, O Anjo Ancorado de José Cardoso Pires, As Cidades Invisíveis de Italo Calvino e A Sonata de Kreutzer de Lev Tolstói. Os contos de Flannery O'Connor revelaram-se outra excelente leitura; conseguiram superar as minhas altas expectativas.
15. Se te pedíssemos para fazeres um TOP 3 dos teus livros favoritos de sempre, quais escolherias?
Um TOP 3 é algo muito limitado e, no meu caso, consideravelmente mutável. Enfim, de momento e tentando abranger três categorias: Ilíada de Homero, O som e a fúria de William Faulkner e The Bloody Chamber de Angela Carter.
16. Qual é a tua opinião em relação aos e-books, que se têm expandido tanto no mercado ultimamente? Encontro-lhes aspectos positivos e negativos. Ninguém nega que são mais práticos de transportar (em termos de manuseamento parece-me que alguns aparelhos ainda terão de melhorar) e podem armazenar muita informação e até apontamentos. Por outro lado, adoro ver os livros na prateleira, gosto do espaço que ocupam e agrada-me sentir-lhes a lombada, começar a revirar a folha entre os dedos quando me faltam apenas algumas linhas para acabar a página. Pessoalmente, creio que usarei os e-books no caso de livros técnicos, mas nos de ficção prefiro os livros enquanto objecto físico tradicional e pesado.
17. Tens outros projectos em desenvolvimento, mesmo que ainda não tenham passado de uma ideia?
Em termos de projectos em fase de ideia, a lista é gigantesca. Alguns estão mais próximos da concretização, mas ainda é demasiado cedo para falar deles. Tudo a seu tempo.
18. Algumas das pessoas que irão ler esta entrevista serão, provavelmente, “aspirantes a escritores”. Que conselhos lhes dás, tanto ao nível do processo de escrita como da publicação?
As minhas verdades podem ser as mentiras de outros, contudo a auto-crítica parece-me extremamente importante, assim como não nos contentarmos com a primeira ideia que nos surja; por mais genial que ela pareça é essencial tentar fazer sempre melhor. Além disso, se encontrarmos algo que não nos parece tão bem, tem de se ignorar a preguiça e labutar até ficarmos satisfeitos. A escrita requer muito trabalho e todos somos livres de tentar, falhar e insistir, desde que dentro dos limites do razoável; a partir de certo ponto convém ser racional e começar a ponderar outras hipóteses.
Quanto à publicação, deve seleccionar-se editoras que publiquem o género do livro que se escreveu. Depois, preparem uma boa apresentação da obra, que possam enviar por carta ou que sirva como guião para uma conversa presencial, e armem-se de paciência e calma.
19. Obrigado pela entrevista! Queremos-te desejar muito sucesso para o futuro, como tens alcançado até agora. Uma última palavra para os teus leitores, e para os que terão ficado intrigados em ler algo teu…?
Aos leitores, um muito obrigada pelo apoio e incentivo. Aos curiosos digo apenas que experimentem e julguem por eles.
Espero que tenham gostado da entrevista tanto como nós. E, mesmo a propósito de uma entrevista a esta autora, os próximos dias aqui no Lydo e Opinado vão ser mais do que dedicados a ela. Além de dentro de muito em breve termos aqui a minha crítica ao livro «O Passado que Seremos»... a Porto Editora disponibilizou um exemplar para passatempo! Não percas, a partir de quarta-feira, dia 3.
A Equipa do Lydo e Opinado