domingo, 27 de novembro de 2011

Crítica - 1Q84


Título: 1Q84 (Livro 1)
Autor: Haruki Murakami
Tradutoras: Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso
Editora: Casa das Letras
Nº de Páginas: 490
Preço Editor: 18€

Sinopse: Um mundo aparentemente normal, duas personagens - Aomame, uma mulher independente, professora de artes marciais, e Tengo, professor de matemática - que não são o que aparentam e ambos se dão conta de ligeiros desajustamentos à sua volta, que os conduzirão fatalmente a um destino comum. Um universo romanesco dissecado com precisão orwelliana, em que se cruzam histórias inesquecíveis e personagens cativantes. Em 1Q84, Haruki Murakami constrói um universo romanesco em que se cruzam histórias inesquecíveis e personagens cativantes. Onde acaba o Japão e começa o admirável mundo novo em que vivemos? Uma ficção que ilumina de forma transversal a aldeia global em que vivemos.


O primeiro capítulo desta obra é condição suficiente para o vínculo Murakami-Eu ser criado. E isto é de louvar. Primeiro, porque a minha experiência relativa aos livros deste autor japonês é a de começos pouco entusiasmantes, exceptuando um ou dois casos. O primeiro volume de 1Q84 tem início no interior de um táxi preso num congestionamento de trânsito. Toca na rádio a Sinfonietta, obra clássica de Leos Janacek. A mulher está com pressa, e não tem vontade de esperar horas naquela fila. E estão lançados os dados para aquela que é, provavelmente, a cena inicial mais épica de toda a carreira de Haruki Murakami enquanto romancista. O mérito de um excelente primeiro capítulo: no mínimo, já tem este prémio.

A obra intercala capítulos narrados pelas duas personagens principais: Aomame, e Tengo. Tenho uma opinião muito clara... na primeira fase do livro, os capítulos dela são muito mais fortes que o dele. O que não significa que as coisas não mudem de figura mais à frente. Sentia até um certo anti-clímax quando chegava a um capítulo de Tengo: "pronto, meia-hora sem Aomame".

Os cenários que Murakami cria são fabulosos porque nos levam para lá. A magia respira-se com facilidade. Destaco a cena da estufa das borboletas. Os diálogos entre as personagens são óptimos, fluem com uma consistência assustadora. E, de tão naturais são, que conseguem mexer com as nossas emoções, ao ponto de me fazerem rir tantas vezes. Esta é uma característica que me interessa muito em Murakami. O ambiente é de realismo fantástico, respira-se magia, mas magia sóbria: e, no entanto, consegue fazer-me rir tantas vezes. Destaco como exemplo o ensaio para a conferência de imprensa!

Depois desce às zonas mais profundas. A violência doméstica, por exemplo. As seitas religiosas e o mistério que criam à sua volta. Aventura-se pelos caminhos do que é realidade e do que é imaginação. É difícil fazer ver a minha opinião: com Murakami é particularmente difícil. A tradução é envolvente e torna a obra de leitura extremamente agradável: o trabalho conjunto de Maria João Lourenço e de Maria João da Rocha Afonso resulta numa harmonia digna de nota - uma harmonia murakamiana que já é tão típica para os leitores portugueses.

No entanto, e apesar de todos estes pontos positivos, e apesar de uma parte de mim ter ficado a morar naquele universo enquanto aguardo pelo lançamento do volume 2 para Março, e apesar daquele mundo ter tanta coisa interessante por contar, não foi uma experiência de imersão tão forte como já tive em alguns outros livros dele. Talvez por não se cravar de forma tão funda no universo das não-explicações. Talvez por abordar temáticas demasiado reais como a questão das seitas e da violência doméstica. Talvez pela insuficiente exploração do lado solitário das personagens... não sei, mas Aomame e Tengo não me conquistaram totalmente. Fico à espera do próximo com o entusiasmo em níveis altos, mas... mas...

É difícil falar de 1Q84 mas é fácil ler 1Q84. Somos levados a passear por uma Tóquio alternativa, viva, não tão vibrante como a de After Dark, mas ainda assim entusiasmante. Temos as cenas de ternura elevadas ao expoente máximo, como a leitura de Tchékov em voz alta. Temos as cenas de fazer crescer água na boca, como o jantar no restaurante de luxo. Temos personagens de todos os géneros e feitios, uma obra verdadeiramente diversificada neste aspecto! E uma linguagem que nos remete constantemente para imagens ilustrativas dos pensamentos das personagens... ficamos perturbados pelo comportamento de algumas delas. O mistério é outra das componentes, mas não gosto de associar essa palavra à obra do autor, parece-me sempre demasiado redutor. Duas personagens que passam para lá da linha do razoável e vão parar a não sabem onde, sem saírem do sítio. Já não estamos em 1984.

Nota (0/10): 8 - Muito Bom.


Tiago

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Girl with a Pearl Earring - Crítica


Nome: Girl with a Pearl Earring
Autora: Tracy Chevalier
Editora: Plume
Páginas: 233


Sinopse: "When Griet becomes a maid in the household of the seventeenth-century painter Johannes Vermeer, she thinks she knows her role: housework, laundry, and child care. She even feels able to handle his shrewd mother-in-law, his restless wife, and their jealous servant. What no one expects is that Griet's quiet manner, quick perceptions, and fascination with her master's paintings will draw her inexorably into his world. Their growing intimacy sparks whispers: and when Vermeer paints her wearing his wife's pearl earrings, the gossip escalates into a full-blown scandal that irrevocably changes Griet's life. Witten with the precision and focus of an Old Master painting, Girl with a Pearl Earring seamlessly blends history and fiction into a luminous novel about artistic vision and sensual awakening."


1664 é o ano em que tudo começa. Conhecemos Griet, uma rapariga simples de dezasseis anos que tem uma família unida e pacata. No entanto, nem sempre tudo corre bem. O seu pai, um homem dotado de jeito para a pintura, perde a visão e as coisas mudam radicalmente: este fica sem emprego e o dinheiro começa a escassear. É neste ambiente que Griet se vê obrigada a ir trabalhar para casa de um pintor bem conhecido e falado, para poder ganhar alguns trocos para a sua família que quase morre de fome. Sentindo-se responsável por eles, Griet vai para lá um pouco contrariada. É aí que toma contacto com pessoas novas e também um estilo de vida novo. Para ela, muitas coisas vão mudar. Mas nem todas as mudanças vão ser boas.

A partir do momento em que estamos conscientes que o livro se passa no século dezassete, as coisas mudam um bocado. A mentalidade muda. Então, começamos a ver os acontecimentos a desenrolarem-se de outra maneira. Época em que as empregadas eram vistas com más olhos, Griet entra num mundo do qual nunca chega a sair. Etiquetada como empregada doméstica, para sempre se sente uma; o que vai fazer com que certas acções lhe pesem na consciência e a deixem com noites mal dormidas.

Tinham-me dito que, tal como o filme, o livro era muito parado. Eu acho que foi exactamente essa calma com que as coisas aconteciam que me deixou mais presa às palavras de Tracy Chevalier. Tudo acontece ao seu tempo e cada coisa tem o seu significado, por mais pequeno que seja. Entramos num livro que é cheio de cenários, paisagens, cores e cheiros. Achei maravilhosas as descrições que Griet fazia de cada quadro que o seu mestre começava a pintar. Não só os conseguimos imaginar à nossa frente como conseguimos saber no que é que o modelo estava a pensar ou o que é que aquela obra significa.

Acompanhamos a vida de Griet que, tal como a de toda a gente, tem os seus altos e baixos. Mas é a partir do momento em que se aproxima do seu mestre que algo estranho acontece. Subitamente, sentimo-nos presos àquele mundo de cores, telas e tintas. Mais nada em nosso redor existe. Os sons são longíquos, perdemos a sensação de toque. Tudo o que interessa é aquilo que vemos. E Griet vê o seu mestre, o seu adorado mestre. É presa a esta paixão platónica que ela acaba por viver os seus dias, sempre com medo da sua esposa, mas sempre desejando que ele repare nela. E nós nunca chegamos a perceber se ele realmente o faz. Nunca chegamos a perceber se ela não passa apenas de mais uma pintura. É este jeito de mistério que me deixa presa a esta obra. Não só as descrições, o ambiente e as personagens. É aquele mundo de Vermeer que me faz não querer guardar o livro na prateleira.

Personagens favoritas: Griet, Vermeer, Maria Thins, Pieter the son.

Nota: 9/10 - Excelente

Sara

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Atenção: o Lydo e Opinado é incredível

Hoje, num passeio pelo mundo dos blogs literários, encontrei por acaso um artigo do blog The Taste of Orange, assinado pelo João X, que fazia referência aqui ao Lydo e Opinado. O título do artigo era "Como perder credibilidade rapidamente", e podem lê-lo carregando aqui. Depois de lerem o artigo regressem novamente, por favor. João X, segue a minha resposta, demasiado extensa para a ter colocado sob a forma de comentário (o blogger impediu). De qualquer das formas, achei que seria construtivo publicá-la aqui no Lydo.


A credibilidade do Lydo e Opinado é nula. A única coisa a que o blog é fiel é a opinião imediata e não reflectida dos livros que são lidos. Mesmo neste ponto não posso falar por ambos os autores. Eu, Tiago, digo isto. Escrevo as opiniões de acordo com o que sinto no momento em que acabo de o escrever. Atribuo uma classificação de 0 a 10. A credibilidade do meu blog é nula, e continuaria a ser nula mesmo que desse 10 a “Crepúsculo” de Stephanie Meyer e 1 a “Sputnik, Meu Amor” de Haruki Murakami. Nula. Não tenho qualquer doutoramento, mestrado, licenciatura sequer. A minha idade: 18 anos. Está vista a credibilidade que alguém poderia andar à procura – se é essa credibilidade que se procura no Lydo e Opinado, não vão encontrar. Se a credibilidade que se anda à procura são notas elevadas atribuídas a livros clássicos ou de autores credíveis como Murakami, e notas baixas relativas a Stephanie Meyer e às suas sagas de vampiros, não vão encontrar isso nas minhas opiniões no Lydo e Opinado. O Lydo e Opinado é incredível até à ponta dos cabelos – se os blogs os tivessem. 

1º Ponto – O blog tem actualmente dois autores: o Tiago e a Sara. Quando faz a comparação de notas atribuídas a “Crepúsculo” e “Sputnik, Meu Amor”, está de facto a circunscrever –se às minhas opiniões. Mas cuidado quando diz que quem leu Jane Austen, Victor Hugo, Tolkien, devia dar más notas a José Rodrigues dos Santos e Dan Brown. Não li nenhum destes dois autores, quanto mais atribuir-lhes más notas. Um deles opinou a Sara, o outro a Patrícia. Não que tivesse qualquer problema em os ler, desde que simplesmente me apetecesse. 

2º Ponto - O tempo. As datas em que as críticas foram feitas. É preciso ter-se cuidado para não se colocar os pés pelas mãos. Aquando das minhas duas leituras da Saga da Luz e da Escuridão de Stephanie Meyer, nunca me tinha passado pelas mãos nenhum livro de Haruki Murakami, ou outros autores que refere: Victor Hugo, Jane Austen, J. R. R. Tolkien. Ora quando me é dito que era merecido que “após” termos lido estes autores da elite literária fosse dado o devido crédito (nulo) aos livros dos vampiros, está-se a tropeçar no discurso. A ordem cronológica é muito importante. 

Ainda na questão do tempo, muito importante. As datas das críticas são para ser tidas em consideração. A opinião sobre um dado livro, de um leitor novato e de um doutorado em literatura, não será em princípio a mesma. Li “Crepúsculo” em Outubro de 2008, e “Sputnik, Meu Amor” em Abril de 2009. Estes seis meses, na vida de um rapaz de quinze anos, pelo menos na minha vida, foram importantes. Hoje consigo avaliar de forma muito mais palpável a revolução que, concretamente, o livro “Sputnik, Meu Amor” teve na minha vida de leitor. Mas a nota 9 em 10 não parece muito mal dada, pois não? A questão aqui é o 8 a Stephanie Meyer. Eu dei nota 10 a “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” de George Orwell, o que é um perfeito disparate, porque na verdade esse livro é um 4 em 10, provavelmente. Com os milhares e milhares de livros que ainda tenciono ler ao longo da minha vida, encontrarei sem dúvida obras muito mais notáveis que “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” – altura em que me envergonharei da nota excessivamente alta que dei a este? Não. Porquê? Porque não é preciso ter-se vergonha nestas questões. O tecto da literatura é medido pelo livro mais “alto” que lemos até um dado momento. Se é pessoal, se é credível, tem de se medir pela opinião pessoal. Eu não posso dar nota 4 a “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” de George Orwell, embora, muito possivelmente (quem sabe? Quem sabe?), existam muitos livros bem melhores que esse, ainda por publicar, ou já publicados, não interessa muito. Então… qual é o sentido? 

Quando me surge a curiosidade de ir reler criticas minhas aos arquivos do Lydo e Opinado, claro que me surpreendo. Claro que é frustrante nalguns casos (não devia ser! Mas à vezes… é). O crescimento de um leitor implica situações destas. A escolha está em ter-se um blog de críticas literárias “incredíveis”, e não se ter blog de todo. Devia ser visto como algo positivo os jovens, mesmo as crianças, começassem cedo um registo das suas leituras, e as opiniões que têm. Apuramento crítico, crescimento crítico. Classificar a existência de críticas de jovens imaturos como algo negativo é, desculpem-me a expressão, algo já por si imaturo. Uma coisa é certa: as minhas opiniões actuais, as minhas notas 10 em 10 a Haruki Murakami, George Orwell, etc., são representativas da minha imaturidade. São as opiniões de um jovem de 18 anos que só lê uns vinte e cinco, trinta livros por ano. Com as minhas mutações, os meus gostos, uma abertura inconstante a todas as formas de literatura – clássicos, bestsellers, lusófonos, traduzidos, poesia, teatro, ensaios, contos. Apenas com uma resistência inultrapassável aos “romances cor-de-rosa”, mas com um bocado de esforço creio que possa ser ultrapassado. Ainda não cheguei à fase em que só leio literatura “respeitável”, e espero nunca chegar a esse ponto, a essa cristalização artificial no que os bons críticos e os bons leitores dizem ser bom. Espero não atingir esse nível de credibilidade. Isto leva-nos directamente ao terceiro ponto, já tenho estado a falar dele. 

3º Ponto – Li há dias num outro blog que sigo com muita atenção (Que a Estante nos Caia em Cima!) um artigo com o qual discordei em grande parte. Defendia uma ideia muito restrita sobre o conceito de boa literatura. Não dá. Não funciona. E, agora, vou cometer um atentado contra mim próprio. Eu, provavelmente um dos leitores mais fiéis que Haruki Murakami terá em Portugal, que adoro cada um dos seus livros, incríveis, completamente mágicos; eu, um leitor que tem os vampiros pelos cabelos, e nunca cheguei a ver nenhuma adaptação cinematográfica sobre o tema por estar bastante irritado com o hype que os livros da Meyer estavam a ter; eu, digo e afirmo, colocando em causa toda a minha credibilidade (que já se perdeu mesmo antes de começar o texto, credibilidade zero): 

Quem é que nos diz que a literatura de Murakami é melhor que a de Stephanie Meyer? Os críticos? Os leitores? Pois vos garanto que não é melhor. Não é. Não há livros melhores e livros piores de forma absoluta. Há livros melhores para uns leitores, e livros melhores para outros. Cada leitor é um universo, cada leitor deveria ir construindo esse universo à medida que vai descobrindo os livros que vai lendo. O que nem sempre acontece! Temos opiniões pré-formatadas sobre um clássico, sobre um bestseller. Queremos sentir-nos integrados num determinado grupo social, é isso? Queremos ser vistos como leitores credíveis, leitores cultos, dos que não caem em modas? Pois vos digo que a moda desta boa literatura é tão estúpida como a moda dos bestsellers – isto é, não é estúpida de todo. Estupidez: zero. A credibilidade é definida pelos críticos, dizem-me… têm razão. Daí o Lydo e Opinado ser incredível. No fundo, no fundo, concordamos neste ponto. 

Deixem-me discordar a cem por cento de Oscar Wilde, que, sem qualquer dúvida, tem sete mil vezes a minha credibilidade. «There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well written or badly written». Oscar Wilde terá toda a razão do mundo, mas eu, como pessoa, não lha atribuo da minha parte. Os livros são escritos por uma pessoa para um determinado grupo de pessoas que gostem – às vezes esses grupos são nulos, ninguém os lê. Por vezes são pequenos, as elites da literatura, os nichos de mercado. Por vezes são grandes, os bestsellers. Ora digam-me lá se os melhores livros não são os que atingem uma faixa maior de pessoas? Teoricamente, até serão! Se conseguem atingir mais gente, mudar a vida de mais pessoas, tornar agradáveis os dias de uma maior quantidade de leitores! São a má literatura? Por muito que goste de Haruki Murakami, por pouco que goste de Stephanie Meyer, não posso concordar. 

De qualquer das formas, aqui fica registado: pelo que toca às minhas opiniões, o Lydo e Opinado tem credibilidade zero. As pessoas que vão ler as minhas opiniões no blog, fiquem avisadas: as críticas que escrevo este mês estão actualizadas na sua sinceridade; as e há dois anos e meio atrás, provavelmente reflectem uma opinião que já mudou. Ou não. Se houvesse mais discernimento não haveria tanto lixo à venda nas livrarias, disse o João X. Não chamem lixo, por favor, ao objecto que faz da minha vida um lugar mais agradável de se estar, quer esteja bem ou mal escrito, quer seja credível ou não: UM LIVRO.


Tiago

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Crítica - O Senhor Juarroz

Título: O Senhor Juarroz
Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: Editorial CAMINHO
Nº de Páginas: 65
Preço Editor: 10,60€


Seguindo a linha que forma este «Bairro», do escritor português Gonçalo M. Tavares, esta história apresenta-nos uma nova personagem: o senhor Juarroz. Como os outros três que já tive oportunidade de ler, o livro organiza-se em pequenas situações - às quais seria sem dúvida um exagero dar o nome de contos. Por vezes com uma página, por vezes com apenas três ou quatro linhas, O Senhor Juarroz lê-se em aproximadamente meia-hora, o que acaba por ser o único ponto negativo. Livros que se apagam num instante são uma crueldade para com qualquer leitor! E acho que Gonçalo M. Tavares é um bocadinho assim ao longo de toda a sua obra...

O Senhor Juarroz vive com a esposa num dos prédios deste bairro. Com um comportamento que o aproxima de um demente mental, vai vivendo o seu dia-a-dia com uma abstracção muito grande. Concentrado nos seus pensamentos, esquece por completo a realidade, e troca toda a informação que vai inventando com aquele que efectivamente é real.

O livro é tão breve, e tão intimamente ligado com o resto da colecção deste bairro, que vejo-me impossibilitado de falar mais do que isto em relação à obra em si. Parece ser daqueles livros que não deixam nada acerca do que opinar. Divertido, sim; mas não tanto como o seu antecessor, O Senhor Brecht. Todas as curtas lógicas que nos vão sendo apresentadas são sugadas pelo leitor de forma voraz. Por vezes é preciso reler a pequena história para conseguirmos entender o que era suposto ser dito ali. E alguns pedaços de texto são verdadeiras delícias literárias. Deixo dois exemplos, porque, sem qualquer dúvida, conseguirão mostrar mais por si próprios do que as minhas palavras desta opinião.

Viagem Longa - Como gostava de ler e ia para uma viagem longa o senhor Juarroz decidiu pôr na mala seis exemplares do mesmo livro.

Teoria sobre os saltos - A 2ª parte do salto para cima é a descer, mas a 2ª parte do salto para baixo não é subir - pensava o senhor Juarroz. Se do chão saltares para cima ao chão voltarás, mas se de um 30º andar saltares para baixo é provável que não voltes a subir ao 30º andar. De qualquer maneira, o senhor Juarroz, por preguiça, usava sempre o elevador.

Se calhar o que um leitor deveria fazer era considerar os livros todos d' O Bairro editados até agora como um só, e depois lê-los de forma ininterrupta. Porque dá tanta vontade de continuar a ler, e afinal de contas é tão breve, que a sensação que fica é a de querermos mais. O Senhor Juarroz é, assim, como os seus antecessores, uma obra de divertido teor filosófico, que nos põe o cérebro a trabalhar minimamente, e nos faz rir com os seus pormenores. Nota positiva também para as ilustrações de Rachel Caiano. Mas também uma sensação de que o livro, no seu todo, não atingiu o nível de qualidade de outros da mesma série.

Nota (0/10): 6 - Agradável

Tiago

domingo, 6 de novembro de 2011

O Senhor dos Anéis: A Irmandade do Anel - Crítica


Nome: O Senhor dos Anéis - A Irmandade do Anel

Autor: J. R. R. Tolkien
Editora: Publicações Europa - América
Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues
Páginas: 466
Sinopse: "Não se enganava o crítico ao indicar assim que estamos perante uma obra de leitura obrigatória, que, sem qualquer sombra de exagero, se insere entre as mais notáveis criações literárias do nosso século. Situando-se na linha da criação fantástica em que a literatura inglesa é fértil (...) Tolkien oferece-nos uma obra verdadeiramente monumental, onde todo um mundo é criado de raiz, uma nova cosmogonia arquitectada por inteiro, uma irrupção de maravilhoso que é admirável jogo de criação pura. O sopro genial que perpassa na elaboração deste maravilhoso, traduzido sobretudo no realismo da narração, deixa no leitor o desejo irresistível de conhecer «esse» mundo que, como crianças, chegamos a acreditar que existe. A Irmandade do Anel é o primeiro volume da trilogia O Senhor dos Anéis, em que se integram também As Duas Torres o O Regresso do Rei."

É com muita pena minha que admito perante o nosso blog que conheci primeiro os filmes e, só então, os livros. Nessa fase da minha vida andava demasiado ocupada com o Harry Potter para me aperceber que, de certeza, existiriam mais livros que teriam dado origem a filmes espectaculares. Só depois de alguma pesquisa e orgulho posto de parte é que decidi que tinha de ler os livros, mesmo já conhecendo a história toda.

Há uns anos atrás tentei começar a ler este volume. No entanto, não consegui terminá-lo. Encravei logo nas primeiras páginas, passando toda aquela explicação que nos é dada no início à frente - esse foi logo o meu primeiro erro. A partir daí, muitas coisas ficaram por compreender e, a certa altura, deixei-o de parte. Felizmente, voltei a pegar nele e agora não o larguei. Foi com alegria que li a pequena introdução que nos é feita no início do livro e que fiquei com vontade de ler O Hobbit. Sinto que é algo necessário, obrigatório, para poder compreender cada pormenor desta trilogia. O mesmo acontece com O Silmarillion. Ao longo da história fui lendo várias menções a esta jóia, o que me deixou morta de curiosidade.

Ao iniciarmos esta leitura estamos, de facto, a entrar num mundo completamente novo e original. Daí sentir que as outras obras de Tolkien são tão importantes, pois passam-se exactamente na mesma realidade. Como complemento, pretendo lê-las mais tarde e, quem saiba, fazer um mapa mental do mundo que deixarei para trás.

Em comparação aos filmes, que já tinha visto, senti uma certa falta de intimidade entre as personagens que acompanham Frodo na tão afamada Irmandade do Anel. Todos eles se tratam por "senhor" e existe um tremendo respeito entre todos. No entanto, sinto que esse respeito também não ajudou à criação de laços entre eles. E existe uma criação de laços visível no filme - no livro nem tanto, à excepção de Passos de Gigante e Gandalf com os pequenos halflings.

Mas passando este pequeno pormenor à frente, sinto que existem certas partes do livro em que algumas situações não funcionaram tão bem como eu estava à espera. Provavelmente isso é culpa minha por não conseguir imaginar aquela realidade e aquelas personagens à minha maneira. Tudo se desenrola na minha cabeça como no filme: os actores são os mesmos, os cenários são os mesmos... E talvez isso não ajude. Falo, especialmente, na situação de Mória. No filme, parece super assustadora, um dos pontos fortes da primeira parte da trilogia. No livro, senti-a tão fracamente assustadora, tão fracamente negra e aflitiva. Mais uma vez, a culpa é da minha imaginação corrompida pelos filmes.

De resto, achei o livro formidável. Deu para perceber, perfeitamente, que o livro é muito mais rico em situações e aventuras do que o filme. Muitos pormenores foram excluídos da adaptação cinematográfica e só agora entendo o quão triste isso é. Ao contrário da situação de Mória, senti que Lothlórien do livro é muito mais mágica e misteriosa que aquela que aparece no filme. Aqui sim, senti-me entre Elfos e a sua "magia". Entre toda aquela eternidade e perfeição que o filme não conseguiu captar.

É nesta eterna disputa entre o livro e o filme que eu me foco, peço desculpa. No entanto, foi assim que a minha cabeça se sentiu ao longo desta leitura. Mas, tal como sempre, chega-se à conclusão que os livros - as obras originais - são muito melhores que aquelas que nos querem impor através do ecrã da televisão. Absorvida por esta história que ainda muito me tem a ensinar, aguardo ansiosamente pela leitura do segundo volume que terá de ser adiada devido à Faculdade.

Personagens favoritas: Tom Bombardil, Frodo, Sam, Gandalf, Aragorn, Legolas, Gimli.

Nota: 9/10 - Excelente

Sara

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Crítica - Norwegian Wood


Título: Norwegian Wood
Autor: Haruki Murakami
Tradutor: Alberto Gomes
Editora: Civilização Editora
Nº de Páginas: 350
Preço Editor: 22,20€

Sinopse: «Ao ouvir a sua música preferida dos Beatles, Toru Watanabe recorda-se do seu primeiro amor, Naoko, a namorada do seu melhor amigo Kizuki. Imediatamente regressa aos seus anos de estudante em Tóquio, à deriva num mundo de amizades inquietas, sexo casual, paixão, perda e desejo – quando uma impetuosa jovem chamada Midori entra na sua vida e ele tem de escolher entre o futuro e o passado.»


Parti para este livro com uma imagem de tal forma estereotipada que não fazia a mínima ideia do que ia encontrar nele. Frequentemente é dito que «Norwegian Wood» é o mais romântico dos livros de Haruki Murakami: a aproximar-se dos romances escritos para jovens com as hormonas aos saltos. O próprio Murakami afirmou que «Norwegian Wood» foi uma experiência isolada, a não tenciona voltar ao mesmo género. Por outro lado, a obra é o maior dos fenómenos de venda no Japão. E, um pouco por todo o mundo, são imensos os leitores que dizem que «Norwegian Wood» é o seu preferido. Com um começo algo estranho e anticlimático, como penso ser comum neste autor, debrucei-me sobre um mundo que pensava desconhecer.

Enganei-me. O Haruki Murakami pode dizer o que quiser. Esta não é uma tentativa isolada, e sim uma tentativa integrada entre os seus restantes livros. Não temos em «Norwegian Wood» uma mudança abrupta de estilo, nem de perto nem de longe. Temos a contínua voz deste contador de histórias. A começar em tudo, a acabar em tudo. Na personagem principal, igual a tantas outras de Murakami  (talvez um pouco mais... jovem que o normal). Nas personagens secundárias que o rodeiam, mulheres com histórias tão diversas. No elementos western sempre presentes, músicas, livros, coca-colas. Nos tremendamente bem caracterizados momentos de solidão, e os de paz, e os de vida quotidiana que vai correndo sem que nada ocorra. Murakami retrata a vida de uma prespectiva melancólica.

Foi nesta obra que li um dos mais poderosos capítulos de Haruki Murakami, e isto depois de uns dez livros dele lidos. O capítulo 6 de «Norwegian Wood», este titânico capítulo 6, com 90 páginas (a contrastar com os restantes, que andam à volta das 20, 30 páginas). Um relato de um mundo completamente à parte, mas bem real. Neste preciso instante, há pessoas a viverem esta paz nas suas vidas, separadas de tudo o que nos parece essencial. A sensação com que fiquei quando acabei este capítulo ganhou à que me ocupou quando terminei o livro. Quando estas 90 páginas chegam ao seu término, ficamos com a sensação que está tudo dito, e chega até a nascer em nós um palpite de como aquilo tudo vai acabar. É assim mesmo em Murakami.

Nota negativa... Haruki Murakami excedeu-se com o erotismo desta vez. Principalmente na segunda metade da história. É de se revirar os olhos e suspirar de aborrecimento. Claro que, em tais doses, é propositada esta sensação que passa para o leitor. A personagem principal confronta-se com este mesmo problema: o excesso de sexo. O assunto é tratado de forma contínua, algo que está presente sempre com uma intensidade relativa. Acho que percebi onde o autor quis chegar, mas foi demais. A certa altura as cenas secavam por completo.

Notas positivas... quase tudo o resto! Não há muito que tenha a dizer. A tradução de Alberto Gomes tem alguns elementos que me irritaram um pouco, como os «De verdade?» em vez de «A sério?», e o uso da 2ª pessoa do plural em algumas conversas entre amigos. Mas no geral o espírito de Haruki Murakami foi captado. Este autor tem um força incrível, é capaz de nos cravar dentro das histórias, e deixar-nos lá a marinar durante muito tempo. Não é o livro que entra na nossa vida, somos nós que entramos no livro. Isto é assustador, porque uma parte de nós fica lá, e continua a viver lá mesmo depois de termos acabado. Estou a falar usando o «nós», mas na verdade quero usar o «eu». Nem todos terão a mesma experiência. «Norwegian Wood» foi de uma experiência de leitura triste, melancólica, Murakami ao seu nível - excelente.

Personagens Preferidas: Será possível não se dizer num só fôlego logo três? Naoko, Midori e Reiko.

Nota (0/10): 9 - Excelente

Tiago
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