Mostrar mensagens com a etiqueta Tiago. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Tiago. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 19 de março de 2012

Crítica - Ilíada


Título: Ilíada
Autor: Homero
Tradução: Frederico Lourenço
Editora: Cotovia
Nº de Páginas: 498
Preço Editor: 35€

Sinopse: «A Ilíada, primeiro livro da literatura europeia, terá surgido no século VIII a.C., no fim de uma longa tradição épica oral; extraordinário canto de sangue e lágrimas, em que os próprios deuses são feridos e os cavalos do maior herói choram, este poema de guerra em 24 cantos mantém inalterada a sua capacidade esmagadora de comover e perturbar. O título remete imediatamente para Ílio ou Ílion – Tróia – e, embora tivesse sido possível, num poema com 16.000 versos, narrar toda a guerra de Tróia, Homero isola um período de pouco mais de cinquenta dias, já na fase final das hostilidades, do qual nos descreve, em termos de acção efectivamente narrada, catorze dias. Concentra, assim, simbolicamente uma guerra de dez anos em duas semanas. Repetindo a proeza alcançada com a sua magnífica Odisseia, Frederico Lourenço oferece-nos agora a primeira tradução integral portuguesa, em verso, desta obra máxima da literatura mundial.»


Há livros que temos que ler pelo menos uma vez na vida. Recuar à antiguidade clássica (estamos a falar, aliás, de uma antiguidade ainda pré-clássica), e descobrir a primeira epopeia de Homero (Homero este que não sabemos se provavelmente terá sido uma personagem fictícia), é uma paragem que muitos leitores deveriam ter em conta. Trata-se de escavarmos até às raízes de muitas concepcções que ainda hoje vemos presentes na nossa literatura, e que na Ilíada desbravavam caminho pela primeira vez.

A tradução, nestes casos, é muito importante. E a desta edição é excelente. Ao contrário do que alguns poderão pensar, o texto não é difícil de ser lido: o vocabulário navega em mares conhecidos, e a construção frásica é muito fácil de ser seguida (bem mais fácil que a dos Lusíadas, por exemplo). O enredo é cativante e cheio de pequenas coisas que podem ser analisadas. É verdade que ajudou conjugar esta leitura com as aulas de Cultura Clássica, porque os pormenores eram-nos apontados com mais evidência. Destaque para os símiles, isto é, uma espécie de metáforas constantes na Ilíada que remetem as descrições de guerra para um panorama da natureza na sua forma original.

A história tece múltiplos enredos, vagueando entre o lado dos aqueus (isto é, os gregos), o dos troianos, e o dos deuses. Deuses estes que gostam sempre de se meterem nos assuntos humanos, e guiam o destino conforme lhes apetece. Não podem deixar de achar engraçado as próprias disputas que existem entre os deuses: quando se erguem uns contra os outros e se dividem cada grupo para o lado que estão a apoiar na guerra.

No meio de tanta guerra e destruição, é ainda possível captarem-se momentos de beleza e ternura impressionantes no contexto da obra. Quando, num dado canto, Heitor se despede da sua mulher e do seu filho, o leitor sente um arrepio perante o momento. Mesmo os cantos que parecem repetir-se na sua confusão bélica, todas as lutas e confrontos em busca da honra e da vitória, têm um sentido. É ainda de destacar o facto de o livro terminar antes do fim da guerra, deixando no ar tudo o que sabemos que vai acontecer a seguir - quando acabamos de ler o último verso, sabemos exactamente os acontecimentos terríveis que se vão seguir; mas, por não os lermos, ainda mais terríveis se tornam na nossa cabeça.

Uma leitura marcante, épica, que aconselho a todos. Eu passei muitas horas de diversão e entusiasmo com ela, e no fim fiquei com a nítida sensação que quando um dia reler a Ilíada vou desfrutar tanto como da primeira vez. Excelente - como seria, aliás, de esperar. Para um livro sobreviver quase três mil anos tem de ter algum potencial, não acham?

Nota (0/10): 9 - Excelente

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Crítica - O Regresso do Rei


Título: O Regresso do Rei - O Senhor dos Anéis (Parte III)
Autor: J. R. R. Tolkien
Tradutora: Fernanda Pinto Rodrigues
Editora: Publicações Europa-América
Nº de Páginas: 336
Preço Editor: 21,35€

Sinopse: Eis que chegámos à terceira parte de O Senhor dos Anéis. Esta terceira parte, O Regresso do Rei, trata das estratégias opostas de Gandalf e Sauron, até ao fim da grande escuridão, que concluirá esta fantástica viagem pelo estranho mundo criado pela vivíssima imaginação de Tolkien.


Após um primeiro volume cuja leitura considerei difícil, e um segundo que me surpreendeu muito positivamente, as expectativas para a terceira e última parte da mais famosa trilogia de fantasia de todos os tempos situavam-se num nível mediano. Uma grande diferença logo à partida quando comparado com os outros dois: nunca vi o terceiro filme da adaptação cinematográfica, e o final da história era para mim uma incógnita. Um ano e meio depois de ter lido "As Duas Torres" decidi por fim aventurar-me para "O Regresso do Rei".

A adaptação não foi fácil. Emergir nesta Terra Média de Tolkien não é, para mim, como começar a ler um livro de Haruki Murakami (por exemplo). Este cenário austero de guerra e turbulência, adornado pela escrita cuidada e épica que Tolkien gosta de criar, não se cola à minha faceta de leitor de uma maneira natural. É precisa uma certa insistência, passar por uma fase de habituação, para que realmente comece a desfrutar da narrativa. Os tempos estão mais negros do que nunca neste volume final, o que também não veio ajudar muito - daquelas leituras que se calhar nos apanham em má hora, não estamos muito virados para esse estilo, mas já que começámos seguimos adiante.

Depois de passada a fase de adaptação, lá me embrenhei no enredo de maneira mais intensa, e apanhei a carruagem mesmo antes dos acontecimentos mais importantes se darem. Daí até ao final do último capítulo, o tempo passou a correr, e já não custou nada. Não se assustem os leitores do blog quando falo nestes termos de "insistência", "não custou tanto", "ter que aguentar", "obrigar-me a prosseguir" - são uma realidade relativamente frequente na minha vida. O que não quer dizer minimamente que eu não gosto de ler, porque gosto: às vezes preciso é de me empurrar a mim próprio.

O desfecho da trilogia, nas suas últimas cem páginas, esboça, talvez a par de toda a sequência dos ents n' "As Duas Torres", um dos momentos mais bonitos d' "O Senhor dos Anéis". Passarmos da dimensão imensa e incrível do destino do mundo inteiro, como nos estava Tolkien a habituar desde a segunda metade d' "A irmandade do anel", para as intrigas mais privadas do cantinho dos hobbits - o Shire - é uma experiência única. Subitamente, quando pensávamos que o autor já não nos ia surpreender até ao fim, dá-nos a volta e ensina-nos ainda uma preciosa lição, pegando na humildade característica dos seres mais pequenos daquele mundo. A história cresce ao aproximar-se da escala mais pequena possível, no derradeiro final.

Queria deixar ainda uma nota muito positiva para o conjunto da tradução de toda a trilogia. Conserva um linha sólida e sóbria, extremamente bem realizada. Os meus parabéns à tradutora Fernanda Pinto Rodrigues, porque está aqui um trabalho digno de nota.

A conclusão da trilogia vem fechar de forma digna o conjunto. É a partir desta saga escrita por Tolkien entre os anos 30 e os anos 40 do século XX que a maior parte da fantasia contemporânea vai buscar as suas inspirações. O que é impressionante de se imaginar. Na verdade, é de se tirar o chapéu a toda a contrução de um mundo, de múltiplas línguas, culturas, cronologias, estudos sobre personagens e locais totalmente inventados. Quando a meio de uma linha nos surge uma nota de rodapé que nos diz "talvez a palavra X derive de uma variação dos orcs das montanhas do Sul" é de ficarmos de queixo caído, no sentido de que Tolkien levava a sua criação mesmo a sério. Um último destaque para tudo o que se esconde para lá desta fantasia, toda a moral com bases profundamente enraizadas na nossa sociedade, a batalha do Bem contra o Mal que, apesar de frequentemente relativizada no nosso dia-a-dia, está cá e vive connosco todos os dias.

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Crítica - Adeus, Tsugumi


Título: Adeus, Tsugumi
Autor: Banana Yoshimoto
Tradutor: António Barrento
Editora: Cavalo de Ferro
Nº de Páginas: 160
Preço Editor: 12,80€

Sinopse: «Desde a sua nascença Tsugumi possuía um corpo frágil e vulnerável. Os médicos anunciaram que ela iria morrer jovem e a família preparou-se para o pior. Sob essa ameaça, aqueles que a rodeavam estragaram-na com mimos. Tsugumi desenvolveu uma personalidade resoluta e insolente. Era maldosa e rude, tinha uma língua retorcida, era egoísta, mimada e de uma sabedoria maliciosa... Era tal qual um demónio.»


Transportado para uma praia japonesa de uma pacata vila pescatória. E depois, a partir daqui, tanto faz que seja manhã, tarde, ou noite, que a magia já está toda lá. A partir do momento que Yoshimoto consegue fazer-me isto com a sua obra «Adeus, Tsugumi», tem um leitor conquistado. Porque esta questão dos transportes às vezes basta por si só: se consegue criar uma relação emocional entre o cenário da história e quem a está a ler, pode ser um trunfo precioso. Pode dar-se o caso de as personagens não nos cativarem particularmente - não senti especial proximidade com nenhuma ao ler este livro - ou de a história também não ser tão especial como à partida prometeria - a minha relação com o enredo é pouco entusiasmada - mas como a autora realiza com sucesso a missão de transporte, gostei do tempo que passei com estas páginas.

Depois de uma primeira fase da história ligeiramente mortiça, em que demoramos um pouco a habituarmo-nos ao estilo de Yoshimoto (é verdade que já tinha lido um livro dela há alguns meses, mas tinha ficado com uma opinião muito indefinida). Mas rapidamente esta sensação de que somos levados para lá nos vai invadindo. A humidade e o ar salgado de que a protagonista sente tanta falta. As imagens que tem da vila de onde vai partir, e da qual sente já saudades. Poderia destacar a expressão de «perda eminente» como a que possivelmente caracterizará melhor a obra: a vila, a casa do passado, a própria Tsugumi que é doente desde pequenina.

Tentando encontrar elementos a que me agarrar, descortino os momentos em que as personagens deambulam pelas suas vidas naquele Verão. Os ambientes descritos, destacando principalmente o meu capítulo preferido - "Festival". É daqueles extractos de um romance que davam um conto por si só, que captam um determinada energia e a fazem resplandecer de forma especial. Os longos passeios pela noite fora, e a ameaça de Tsugumi poder adoecer. As manhãs de sol luminosas, e a ameaça de Tsugumi poder escapulir-se como tantas vezes faz. À noite, na praia, juntos à fogueira, numa cena a fazer lembrar quase um daqueles livros de aventuras juvenis da Enyd Blyton, e a ameaça do cão voltar a desaparecer. Os momentos são efémeros e vão passar-se todos com uma rapidez impressionante; ao mesmo tempo que são gravados na cabeça de Maria com uma lentidão igualmente intrigante.

Não posso evitar fazer uma referência ao trabalho de tradução, ainda que não saiba exactamente se hei de opinar positiva ou negativamente. Ou o estilo de Yoshimoto é assim mesmo, meio desiquilibrado em alguns momentos, ou então talvez seja consequência do trabalho do tradutor. Nem sempre achei que as passagens estavam escritas da melhor forma, mas talvez esteja a ser injustiça da minha parte. Tendo sido traduzido do japonês, tem um mérito próprio, uma aproximação valiosa. O trabalho de edição pecava por algumas gralhas em termos de parágrafos e travessões, mas justifica-se por ser uma primeira edição.

Em suma, um livro que nem sempre consegue manter em cima um grau de entusiasmo elevado para quem o está a ler. Mas com momentos poderosos, e uma capacidade de transporte para o cenário que achei das mais dolorosas que já li - dolorosas neste sentido positivo que é colocarmo-nos lado a lado com a personagem principal, já antevendo o momento em que vamos ser separados daquele mundo. Adeus, Tsugumi, e a vila que é a tua casa.

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

domingo, 27 de novembro de 2011

Crítica - 1Q84


Título: 1Q84 (Livro 1)
Autor: Haruki Murakami
Tradutoras: Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso
Editora: Casa das Letras
Nº de Páginas: 490
Preço Editor: 18€

Sinopse: Um mundo aparentemente normal, duas personagens - Aomame, uma mulher independente, professora de artes marciais, e Tengo, professor de matemática - que não são o que aparentam e ambos se dão conta de ligeiros desajustamentos à sua volta, que os conduzirão fatalmente a um destino comum. Um universo romanesco dissecado com precisão orwelliana, em que se cruzam histórias inesquecíveis e personagens cativantes. Em 1Q84, Haruki Murakami constrói um universo romanesco em que se cruzam histórias inesquecíveis e personagens cativantes. Onde acaba o Japão e começa o admirável mundo novo em que vivemos? Uma ficção que ilumina de forma transversal a aldeia global em que vivemos.


O primeiro capítulo desta obra é condição suficiente para o vínculo Murakami-Eu ser criado. E isto é de louvar. Primeiro, porque a minha experiência relativa aos livros deste autor japonês é a de começos pouco entusiasmantes, exceptuando um ou dois casos. O primeiro volume de 1Q84 tem início no interior de um táxi preso num congestionamento de trânsito. Toca na rádio a Sinfonietta, obra clássica de Leos Janacek. A mulher está com pressa, e não tem vontade de esperar horas naquela fila. E estão lançados os dados para aquela que é, provavelmente, a cena inicial mais épica de toda a carreira de Haruki Murakami enquanto romancista. O mérito de um excelente primeiro capítulo: no mínimo, já tem este prémio.

A obra intercala capítulos narrados pelas duas personagens principais: Aomame, e Tengo. Tenho uma opinião muito clara... na primeira fase do livro, os capítulos dela são muito mais fortes que o dele. O que não significa que as coisas não mudem de figura mais à frente. Sentia até um certo anti-clímax quando chegava a um capítulo de Tengo: "pronto, meia-hora sem Aomame".

Os cenários que Murakami cria são fabulosos porque nos levam para lá. A magia respira-se com facilidade. Destaco a cena da estufa das borboletas. Os diálogos entre as personagens são óptimos, fluem com uma consistência assustadora. E, de tão naturais são, que conseguem mexer com as nossas emoções, ao ponto de me fazerem rir tantas vezes. Esta é uma característica que me interessa muito em Murakami. O ambiente é de realismo fantástico, respira-se magia, mas magia sóbria: e, no entanto, consegue fazer-me rir tantas vezes. Destaco como exemplo o ensaio para a conferência de imprensa!

Depois desce às zonas mais profundas. A violência doméstica, por exemplo. As seitas religiosas e o mistério que criam à sua volta. Aventura-se pelos caminhos do que é realidade e do que é imaginação. É difícil fazer ver a minha opinião: com Murakami é particularmente difícil. A tradução é envolvente e torna a obra de leitura extremamente agradável: o trabalho conjunto de Maria João Lourenço e de Maria João da Rocha Afonso resulta numa harmonia digna de nota - uma harmonia murakamiana que já é tão típica para os leitores portugueses.

No entanto, e apesar de todos estes pontos positivos, e apesar de uma parte de mim ter ficado a morar naquele universo enquanto aguardo pelo lançamento do volume 2 para Março, e apesar daquele mundo ter tanta coisa interessante por contar, não foi uma experiência de imersão tão forte como já tive em alguns outros livros dele. Talvez por não se cravar de forma tão funda no universo das não-explicações. Talvez por abordar temáticas demasiado reais como a questão das seitas e da violência doméstica. Talvez pela insuficiente exploração do lado solitário das personagens... não sei, mas Aomame e Tengo não me conquistaram totalmente. Fico à espera do próximo com o entusiasmo em níveis altos, mas... mas...

É difícil falar de 1Q84 mas é fácil ler 1Q84. Somos levados a passear por uma Tóquio alternativa, viva, não tão vibrante como a de After Dark, mas ainda assim entusiasmante. Temos as cenas de ternura elevadas ao expoente máximo, como a leitura de Tchékov em voz alta. Temos as cenas de fazer crescer água na boca, como o jantar no restaurante de luxo. Temos personagens de todos os géneros e feitios, uma obra verdadeiramente diversificada neste aspecto! E uma linguagem que nos remete constantemente para imagens ilustrativas dos pensamentos das personagens... ficamos perturbados pelo comportamento de algumas delas. O mistério é outra das componentes, mas não gosto de associar essa palavra à obra do autor, parece-me sempre demasiado redutor. Duas personagens que passam para lá da linha do razoável e vão parar a não sabem onde, sem saírem do sítio. Já não estamos em 1984.

Nota (0/10): 8 - Muito Bom.


Tiago

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Crítica - O Senhor Juarroz

Título: O Senhor Juarroz
Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: Editorial CAMINHO
Nº de Páginas: 65
Preço Editor: 10,60€


Seguindo a linha que forma este «Bairro», do escritor português Gonçalo M. Tavares, esta história apresenta-nos uma nova personagem: o senhor Juarroz. Como os outros três que já tive oportunidade de ler, o livro organiza-se em pequenas situações - às quais seria sem dúvida um exagero dar o nome de contos. Por vezes com uma página, por vezes com apenas três ou quatro linhas, O Senhor Juarroz lê-se em aproximadamente meia-hora, o que acaba por ser o único ponto negativo. Livros que se apagam num instante são uma crueldade para com qualquer leitor! E acho que Gonçalo M. Tavares é um bocadinho assim ao longo de toda a sua obra...

O Senhor Juarroz vive com a esposa num dos prédios deste bairro. Com um comportamento que o aproxima de um demente mental, vai vivendo o seu dia-a-dia com uma abstracção muito grande. Concentrado nos seus pensamentos, esquece por completo a realidade, e troca toda a informação que vai inventando com aquele que efectivamente é real.

O livro é tão breve, e tão intimamente ligado com o resto da colecção deste bairro, que vejo-me impossibilitado de falar mais do que isto em relação à obra em si. Parece ser daqueles livros que não deixam nada acerca do que opinar. Divertido, sim; mas não tanto como o seu antecessor, O Senhor Brecht. Todas as curtas lógicas que nos vão sendo apresentadas são sugadas pelo leitor de forma voraz. Por vezes é preciso reler a pequena história para conseguirmos entender o que era suposto ser dito ali. E alguns pedaços de texto são verdadeiras delícias literárias. Deixo dois exemplos, porque, sem qualquer dúvida, conseguirão mostrar mais por si próprios do que as minhas palavras desta opinião.

Viagem Longa - Como gostava de ler e ia para uma viagem longa o senhor Juarroz decidiu pôr na mala seis exemplares do mesmo livro.

Teoria sobre os saltos - A 2ª parte do salto para cima é a descer, mas a 2ª parte do salto para baixo não é subir - pensava o senhor Juarroz. Se do chão saltares para cima ao chão voltarás, mas se de um 30º andar saltares para baixo é provável que não voltes a subir ao 30º andar. De qualquer maneira, o senhor Juarroz, por preguiça, usava sempre o elevador.

Se calhar o que um leitor deveria fazer era considerar os livros todos d' O Bairro editados até agora como um só, e depois lê-los de forma ininterrupta. Porque dá tanta vontade de continuar a ler, e afinal de contas é tão breve, que a sensação que fica é a de querermos mais. O Senhor Juarroz é, assim, como os seus antecessores, uma obra de divertido teor filosófico, que nos põe o cérebro a trabalhar minimamente, e nos faz rir com os seus pormenores. Nota positiva também para as ilustrações de Rachel Caiano. Mas também uma sensação de que o livro, no seu todo, não atingiu o nível de qualidade de outros da mesma série.

Nota (0/10): 6 - Agradável

Tiago

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Crítica - Norwegian Wood


Título: Norwegian Wood
Autor: Haruki Murakami
Tradutor: Alberto Gomes
Editora: Civilização Editora
Nº de Páginas: 350
Preço Editor: 22,20€

Sinopse: «Ao ouvir a sua música preferida dos Beatles, Toru Watanabe recorda-se do seu primeiro amor, Naoko, a namorada do seu melhor amigo Kizuki. Imediatamente regressa aos seus anos de estudante em Tóquio, à deriva num mundo de amizades inquietas, sexo casual, paixão, perda e desejo – quando uma impetuosa jovem chamada Midori entra na sua vida e ele tem de escolher entre o futuro e o passado.»


Parti para este livro com uma imagem de tal forma estereotipada que não fazia a mínima ideia do que ia encontrar nele. Frequentemente é dito que «Norwegian Wood» é o mais romântico dos livros de Haruki Murakami: a aproximar-se dos romances escritos para jovens com as hormonas aos saltos. O próprio Murakami afirmou que «Norwegian Wood» foi uma experiência isolada, a não tenciona voltar ao mesmo género. Por outro lado, a obra é o maior dos fenómenos de venda no Japão. E, um pouco por todo o mundo, são imensos os leitores que dizem que «Norwegian Wood» é o seu preferido. Com um começo algo estranho e anticlimático, como penso ser comum neste autor, debrucei-me sobre um mundo que pensava desconhecer.

Enganei-me. O Haruki Murakami pode dizer o que quiser. Esta não é uma tentativa isolada, e sim uma tentativa integrada entre os seus restantes livros. Não temos em «Norwegian Wood» uma mudança abrupta de estilo, nem de perto nem de longe. Temos a contínua voz deste contador de histórias. A começar em tudo, a acabar em tudo. Na personagem principal, igual a tantas outras de Murakami  (talvez um pouco mais... jovem que o normal). Nas personagens secundárias que o rodeiam, mulheres com histórias tão diversas. No elementos western sempre presentes, músicas, livros, coca-colas. Nos tremendamente bem caracterizados momentos de solidão, e os de paz, e os de vida quotidiana que vai correndo sem que nada ocorra. Murakami retrata a vida de uma prespectiva melancólica.

Foi nesta obra que li um dos mais poderosos capítulos de Haruki Murakami, e isto depois de uns dez livros dele lidos. O capítulo 6 de «Norwegian Wood», este titânico capítulo 6, com 90 páginas (a contrastar com os restantes, que andam à volta das 20, 30 páginas). Um relato de um mundo completamente à parte, mas bem real. Neste preciso instante, há pessoas a viverem esta paz nas suas vidas, separadas de tudo o que nos parece essencial. A sensação com que fiquei quando acabei este capítulo ganhou à que me ocupou quando terminei o livro. Quando estas 90 páginas chegam ao seu término, ficamos com a sensação que está tudo dito, e chega até a nascer em nós um palpite de como aquilo tudo vai acabar. É assim mesmo em Murakami.

Nota negativa... Haruki Murakami excedeu-se com o erotismo desta vez. Principalmente na segunda metade da história. É de se revirar os olhos e suspirar de aborrecimento. Claro que, em tais doses, é propositada esta sensação que passa para o leitor. A personagem principal confronta-se com este mesmo problema: o excesso de sexo. O assunto é tratado de forma contínua, algo que está presente sempre com uma intensidade relativa. Acho que percebi onde o autor quis chegar, mas foi demais. A certa altura as cenas secavam por completo.

Notas positivas... quase tudo o resto! Não há muito que tenha a dizer. A tradução de Alberto Gomes tem alguns elementos que me irritaram um pouco, como os «De verdade?» em vez de «A sério?», e o uso da 2ª pessoa do plural em algumas conversas entre amigos. Mas no geral o espírito de Haruki Murakami foi captado. Este autor tem um força incrível, é capaz de nos cravar dentro das histórias, e deixar-nos lá a marinar durante muito tempo. Não é o livro que entra na nossa vida, somos nós que entramos no livro. Isto é assustador, porque uma parte de nós fica lá, e continua a viver lá mesmo depois de termos acabado. Estou a falar usando o «nós», mas na verdade quero usar o «eu». Nem todos terão a mesma experiência. «Norwegian Wood» foi de uma experiência de leitura triste, melancólica, Murakami ao seu nível - excelente.

Personagens Preferidas: Será possível não se dizer num só fôlego logo três? Naoko, Midori e Reiko.

Nota (0/10): 9 - Excelente

Tiago

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Crítica - Sunset Park


Título: Sunset Park
Autor: Paul Auster
Tradutor: José Vieira de Lima
Editora: ASA
Nº de Páginas: 230
Preço Editor: 16,00€

Sinopse: «Durante os meses sombrios do colapso económico de 2008, quatro jovens ocupam ilegalmente uma casa abandonada em Sunset Park, um bairro perigoso de Brooklyn. Bing, o cabecilha, toca bateria e dirige o Hospital das Coisas Escangalhadas, onde conserta relíquias de um passado mais próspero. Ellen, uma artista melancólica, é assaltada por visões eróticas. Alice está a fazer uma tese sobre a forma como a cultura popular encarava o sexo no pós-guerra. Miles vive consumido por uma culpa que o leva a cortar todos os laços familiares. Em comum têm a busca por coerência, beleza e contacto humano. São quatro vidas que Paul Auster entrelaça em tantas outras para criar uma complexa teia de relações humanas, num romance sobre a América contemporânea e os seus fantasmas.»


Apresento-vos Paul Auster, na forma de um dos livros com melhor trabalho de edição dos que li este ano. E este é só o primeiro de uma longa lista de elogios que vão ler nesta minha crítica. Posso não conseguir garantir-vos que vão gostar tanto de o ler como eu, mas uma coisa é certa: este livro foi, para mim, a leitura certa neste preciso instante. Quando um livro entra na nossa vida, inesperadamente, no momento e no espaço certo, é já à partida um campeão. Sunset Park é um romance urbano, em todos os sentidos; lido precisamente na fase da minha vida em que exploro todo o espírito de uma cidade viva e dinâmica. É um romance sobre as desilusões e as expectativas dos jovens; e de que têm sido compostos os meus últimos meses senão precisamente destas sensações? O livro estava há já um ano na minha estante, mas os acasos guardam-nos estas coisas.

Este é um dos autores que eu, mesmo antes de ler, já sei que vou gostar. Resultado de preconceitos, provavelmente. Já referi a questão do grafismo - a ASA tem vindo a renovar as capas dos livros de Auster, e, na minha opinião, a linha é excelente. Depois, a sinopse. Remeteu-me de imediato, logo que saiu para as livrarias, para uma série de conceitos que associo a boas experiências de leitura. Uma cidade, pessoas à deriva nesse espaço. E, na capa, nas letras pequeninas que divulgam a crítica do Booklist, um destaque para a expressão caracterizadora do romance: 'a miraculosa estranheza de se estar vivo'.

Posso começar já por essa frase. Não num sentido particular, e sim olhando para a generalidade das ideias com que Auster nos presenteia ao longo da obra. Muitas vezes seguindo por caminhos menos convencionais, leva-nos a reflectir um pouco na nossa própria condição. Eu sei que pode parecer um lugar comum, um estereótipo, mas acreditem que não se trata de nada disso. Desde uma série de páginas seguidas em que nos apresenta a história dos jogadores de basebol mais peculiares, até às descrições embaraçosas dos «desenhos científicos» de Ellen com inspiração nos corpos humanos com que se cruza na rua, passando pelas extensas dissertações sobre o filme Os Melhores Anos das Nossas Vidas - filme de 1946, da América do pós-guerra, e cujo título parece ironizar por si só todo o conteúdo deste livro.

A estrutura do romance forma uma teia de personagens que conhecemos num período relativamente curto de tempo. E com as quais simpatizamos num ápice. Cada umas das pessoas sobre as quais este livro se debruça vivem sobre a acção de um sofrimento. Sofrimento camuflado por conformismo. E esta emoção está presente desde a primeira frase - "Há cerca de um ano que ele fotografa coisas abandonadas" sugere algo nesse sentido, não é? - até à última. A melancolia do falhanço e do arrependimento constante, de quem se passeia pela vida sentindo que não é feliz, é o ar que se respira na leitura. Nova Iorque debaixo de um céu azul, mas com uma atmosfera carregada, Outono, Inverno e Primavera.

Foi o primeiro livro que li de Paul Auster. Ouvi há pouco tempo, vinda de uma pessoa que já leu muitos dele, que o autor «já era»! No sentido de que a sua obra se repete muito à volta dos mesmos temas, que se enrola na sua própria monotonia. É muito possível, diria até que é muito provável. Senti indícios disso à medida que ia lendo. Mas, como primeiro livro que li dele, a única coisa que tenho a dizer é que a leitura me emocionou e me colou completamente. Os sobressaltos ao longo do texto, nomeadamente o final algo inesperado para mim, vêm desiquilibrar a tal monotonia - não é suficiente para deixar de ser uma obra lenta,  remoída... mas gostei dela. Muito.

Uma opinião vinda de outra pessoa dizia-me que Paul Auster era o Murakami americano. Está lá a ideia. São diferentes, claro. Paul Auster é mais austero, mais pesado, mais terra-a-terra, mais deprimente, mais sufocante, aflitivo. Mas está lá também a fragância que os livros de Murakami deixam em mim quando os leio. A vida como acto contínuo. A vida e a estranheza de estarmos vivos. Como a certa altura uma das personagens do romance diz: qual é o sentido de duas pessoas fazerem amor e nove meses depois nascer mais uma pessoa no mundo, em ponto pequenino, mas com tanta potencial complexidade e totalidade como todas as outras? Obra incrível, Sunset Park não me deixou indiferente.

Nota (0/10): 9 - Excelente

Tiago

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Crítica - Livro

Título: Livro
Autor: José Luís Peixoto
Editora: Quetzal
Nº de Páginas: 265
Preço Editor: 17,95€

Sinopse: «Este livro elege como cenário a extraordinária saga da emigração portuguesa para França, contada através de uma galeria de personagens inesquecíveis e da escrita luminosa de José Luís Peixoto. Entre uma vila do interior de Portugal e Paris, entre a cultura popular e as mais altas referências da literatura universal, revelam-se os sinais de um passado que levou milhares de portugueses à procura de melhores condições e de um futuro com dupla nacionalidade. Avassalador e marcante, Livro expõe a poderosa magnitude do sonho e a crueza, irónica, terna ou grotesca, da realidade. Através de histórias de vida, encontros e despedidas, os leitores de Livro são conduzidos a um final desconcertante onde se ultrapassam fronteiras da literatura. Livro confirma José Luís Peixoto como um dos principais romancistas portugueses contemporâneos e, também, como um autor de crescente importância no panorama literário internacional.»


A minha única experiência de leitura de um livro de José Luís Peixoto não fora animadora por aí além, chegando mesmo ao ponto de o ter considerado uma desilusão. Na altura, li o primeiro livro que editou. Decidi  que, a dar uma nova hipótese (e tinha que a dar, tinha mesmo - José Luís Peixoto, integrado no círculo da nova geração muito boa de autores portugueses), tinha de dar um salto por cima de toda a obra, e vir para o que de imediato ele escrevera. «Livro», lançado há um ano, esperou alguns meses na minha estante. E encontrou neste mês de Outubro o seu lugar.

O livro não me cativou de imediato. O estilo de Peixoto está, definitivamente, ligado a uma certa ruralidade, resultado da sua experiência pessoal na relação com o campo e com a província. E a verdade é que, à partida, literatura rural não me chama muito a atenção. Vou lendo as primeiras páginas, os primeiros capítulos, e uma sensação de desconforto, de não me adaptar ao espaço. Com a coerência narrativa e estilística do autor, contudo, o enredo vai-se tornando mais interessante, e a vontade de prosseguir aumenta.

Agora, e sejamos sinceros: com a volta que o livro dá no último terço do romance, tudo o que ficou para trás parece um mundo à parte. E o que José Luís Peixoto faz com a parte final deste Livro é o que mais fica guardado na minha memória de leitor. A primeira parte da história acaba por ganhar um ritmo e uma envolvência própria, interessante, bonita, e que no fim temos alguma pena de abandonar. A liberdade que o autor entrega a si próprio é bem usada, e as palavras fluem como natureza rural. Acho que é isso o pretendido. Mas, como já disse, tudo isto parece pintura impressionista; lado a lado com um abstraccionismo-futurismo-surrealismo-dadaísmo que nos é dado a provar nas últimas páginas!

Não quero entrar em revelações. Digamos apenas a recta final deste Livro é um quebrar de barreiras. Esqueçam o enredo, não é disso que se trata. Não é uma reviravolta impressionante no rumo dos acontecimentos. É uma reviravolta impressionante noutro sentido. É a liberdade de um autor levada a um extremo interessante, presenteando a literatura com noções de interactividade, aproximação da relação autor-leitor, transgressão das dimensões que temos como cânon dos livros. Excelente, pela ousadia.

No geral, é uma leitura muito agradável, interessante e espantosa a partir de certo ponto, que consegue encontrar um equilíbrio e uma fluidez no meio de tanto livre arbítrio. Livro é um bom livro, e outra coisa não seria de esperar pelo próprio título, certo? José Luís Peixoto subiu na minha consideração alguns pontos, e não foi o último livro que li dele. Isto, embora continue a não me impressionar por aí além - está certo que certas ideias, passagens, e na fluidez, é verdadeiramente característico. Ainda assim há um qualquer entrave que comigo não entra por completo.

Nota (0/10): 8 - Muito Bom

Tiago

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Crítica - Um Homem: Klaus Klump


Título: Um Homem: Klaus Klump
Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: CAMINHO
Nº de Páginas: 137
Preço Editor: 10,60€

Sinopse: Há exercícios para treinar a verdade como, por exemplo, ter medo. Ou então ter fome. Depois restam exercícios para treinar a mentira: todos os grupos são isto, e todos os negócios. Estar apaixonado é a outra forma de exercitar a verdade.


Quero começar por sublinhar o que penso já ter dito alguma vez: embora não saiba bem o porquê, Gonçalo M. Tavares e os seus livros levam-me a estados de entusiasmo elevados, e deixam-me mergulhado numa sensação que não sei classificar. E que se traduz numa expressão que não sei expressar. Precisava de deixar isto bem claro; porque, quer as palavras que escreva sobre Um Homem: Klaus Klump sejam boas ou quer sejam más, este livro, como outros de Tavares, é Grande (no seu tamanho reduzido de 140 páginas).

Um livro que tem início num cenário que não identificamos logo. Começam por nos introduzir duas personagens, e nós, num curto espaço de tempo, passamos a conhecê-las. Mas a Guerra chegou. E qualquer que tenha sido a razão da sua vinda não interessa. A Guerra chegou, e mete o leitor dentro de um saco escuro, dá um laço forte na ponta, e eis que estamos aprisionados num universo cru, mau, repelente, o qual queremos compreender de forma palpável. Sem sucesso. Gonçalo M. Tavares leva-nos a passear por corredores frios e escuros, nos confins da lógica e no limite da consciência, apresentando-nos verdades facilmente constatáveis. Se é matemática, filosofia, ou uma mistura das duas? Não sei. É, isso sem dúvida, um arriscar buscar novos conceitos do mundo.

O livro tem dois planos, que muitas vezes se entrelaçam numa mesma página: o das ideias, e o dos acontecimentos. O primeiro é difícil na sua complexidade, o segundo é difícil pela sua objectividade. No mundo dos pensamentos são-nos apresentadas teorias arrepiantes, obrigam-nos a meter a mão na lama e a vasculhar o que nela se esconde; no mundo dos acontecimentos matam-se pessoas sem muita ponderação, e tratam-se outras abaixo de cão (cão este que, como animal, é usado muitas vezes nos exemplos desta obra).

A escrita de Gonçalo M. Tavares é negra neste que foi o primeiro romance que li dele (tenho dificuldade em classificar Uma Viagem à Índia). É, também, bastante característica. Detecto elementos que começo a notar que são típicos seus - o grande destaque que ele dá ao nome das suas personagens, e o abuso no número de vezes que o utiliza, deprezando por vezes a utilização de pronomes. A emoção dos momentos? Sugada completamente por um aspirador: quer nas cenas de morte, quer nas cenas de nascimento, nas de tortura, nas de paixão, todo o sentimento é sugado e guardado numa caixa a que o leitor não tem acesso. Ficam somente as imagens, e os ambientes, transmitidos de maneira não convencional.

Um livro de leitura agradável, recheado de detalhes amargos sobre o mundo. Ao longo das páginas são expostos os nossos medos e as nossas angústias. O mundo continua a girar. Gonçalo M. Tavares tem uma obra que vai beber muita cultura a muitos sítios - e depois transforma-a numa fórmula literária. Contém um final particularmente marcante - mas falo somente, e sempre, ao nível estético e intelectual. Porque em termos de emoção, a que chega até nós vem difusa e em segunda-mão, gasta pelas palavras cruas, como o luar que não vem da Lua. E que, na escuridão da noite, não deixa de ser a luz essencial.

Personagens Preferidas: Clako.

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Crítica - A Queda dos Gigantes


Título: A Queda dos Gigantes
Autor: Ken Follett
Tradutora: Alice Rocha
Editora: Editorial Presença
Nº de Páginas: 918
Preço Editor: 29,95€

Sinopse: Em A Queda dos Gigantes, o primeiro volume da trilogia "O Século", as vidas de 5 famílias - americana, alemã, russa, inglesa e escocesa - cruzam-se durante o período tumultuoso da Primeira Grande Guerra, da Revolução Russa e do Movimento Sufragista. Neste primeiro volume, que começa em 1911 e termina em 1925, travamos conhecimento com as cinco famílias que nas suas sucessivas gerações virão a ser as grandes protagonistas desta trilogia. Os membros destas famílias não esgotam porém a vasta galeria de personagens, incluindo mesmo figuras reais como Winston Churchill, Lenine e Trotsky, o general Joffreou ou Artur Zimmermann, e irão entretecer uma complexidade de relações entre paixões contrariadas, rivalidades e intrigas, jogos de poder, traições, no agitado quadro da Primeira Grande Guerra, da Revolução Russa e do movimento sufragista feminino. Um extraordinário fresco, excepcional no rigor da investigação e brilhante na reconstrução dos tempos e das mentalidades da época.


Vou começar com uma breve referência à ironia que o título deste livro contém para mim: «A Queda dos Gigantes». Eu não sou um leitor típico de livros gigantes, por mim caíam todos. Mas a verdade é que quando os termino não deixo de gostar deles. O processo de leitura é que não se adequa ao meu, que muitas vezes perco o ânimo ao empreender desafios demasiado longos. Ler um livro de 900 páginas não é igual a ler um livro de 1100 (como aconteceu o Verão passado com 'Os Miseráveis' de Victor Hugo); mas, sejamos sinceros... vai dar quase ao mesmo. Felizmente consegui obrigar-me a terminar a leitura, e digo felizmente porque, quando se termina uma obra desta dimensão, nos sentimos bem connosco próprios. Nem o livro merecia que eu não o lesse até ao fim, nem eu merecia deixar de o terminar já o tendo lido em três quartos. Adiante.

As expectativas com que parti para a leitura deste volumoso romance histórico eram altas. Do mesmo autor já tinha lido há alguns anos 'Os Pilares da Terra', e a fasquia tinha subido a um patamar literário impressionante. Para somar a isto tinha acabado de rever toda a matéria do 12º ano de História A para o dito exame, e estava entusiasmado com o século XX. A sinopse do livro deixou-me inevitavelmente entusiasmado e, levado por uma vontade que tinha vindo a adiar há já alguns meses, decidi lê-lo.

As primeiras duzentas páginas são deliciosas. Todas as vivências do quotidiano na primeira década do século XX, os ambientes de tensões sociais, e as intrigas que nos introduzem às vidas do vasto leque de personagens que passamos a conhecer. Embora estivesse a corresponder à ideia épica que idealizara acerca da obra, ler cada página era uma experiência agradável e descontraída. Mas o livro não se aguenta por 900 páginas neste nível. Claro que o começo da Guerra vem pôr de parte tudo o que de "agradável" houvesse na leitura; mas esperava que o meu entusiasmo não decrescesse, e isso acabou por, eventualmente, ir-se sucedendo...

Estamos perante uma investigação árdua por parte do autor e dos historiadores que o ajudaram, e que nos dá um autêntico painel de azulejos sobre as vivências e as ideias vivivas na altura retratada. Esta apresentação da realidade não nos é apresentada de forma maçuda. Mas, se calhar é só comigo, 900 páginas não funcionam. A guerra foi longa e dolorosa; não quer dizer que a leitura também tenha de ser assim. Além disso, encontro uma certa previsibilidade no rumo dos acontecimentos (e não me refiro, claro, aos acontecimentos históricos, que esses todos sabemos qual é o seu desfecho antes de começarmos a ler o livro), nas redes sociais que são criadas entre as personagens há qualquer coisa de óbvio. Cativante, mas diria previsível.

Foram poucas as personagens que me prenderam. Mas prenderam-me de uma forma original. Em dados momentos da história esta e aquela eram as minhas preferidas, mas mais adiante dava por mim a não gostar delas. na medida em que do princípio ao fim da obra existe um período temporal de 10 anos, acho que isto também faz sentido.

Uma leitura para corajosos, que tenham algum gosto ou curiosidade pelo tema da História do século XX. Com momentos de grande deleite, outros de alguma espera retardada pelo rumo dos acontecimentos. Alegria e dor juntos na mesma página. E uma visão quase cinematográfica imprimida nas páginas, isto é, conseguimos facilmente imaginar as imagens que nos são passadas. Fica a vontade de ler a sequela que sairá em 2012, mais pela curiosidade de ver as personagens a lidarem com os conturbados anos da Segunda Guerra Mundial do que por outras coisas. Leitura agradável, com grande pesquisa implícita, interessante - mas demasiado grande para mim.

Personagens Preferidas: Ethel, Maud, Fitz, Billie.

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Crítica - O Elefante Evapora-se


Título: O Elefante Evapora-se
Autor: Haruki Murakami
Tradutora: Maria João Lourenço
Editora: Casa das Letras
Nº de Páginas: 350
Preço Editor: 18,00€

Sinopse: Num sufocante dia de Verão, um advogado põe-se à procura do seu gato e dá de caras com uma estranha rapariga num jardim abandonado nas traseiras de casa. Mais adiante, as dores provocadas a meio da noite pela fome levam um jovem casal de recém-casados a fazer uma incursão nocturna e a assaltar um McDonald’s para conseguir deitar a mão a trinta hambúrgueres Big Mac, realizando assim um secreto desejo que já vinha dos tempos da adolescência. Um homem fica obcecado pela misteriosa e incrível saga de um elefante que se desvanece em fumo e desaparece da noite para o dia sem deixar rasto. Sem esquecer as confidências de uma mulher casada e jovem mãe com insónias que passa as noites em claro, a ler Tolstoi, e acorda para a vida num mundo indefinido de semiconsciência em que tudo se afigura possível - até mesmo a morte. Ao longo de dezassete pequenas histórias aparentemente banais, das muitas que povoam o nosso quotidiano, Haruki Murakami transporta o leitor à dimensão paralela de um imaginário delicioso e bizarro ao mesmo tempo, percorrendo um Japão que tem tanto de nostálgico como de moderno. »Muitas vezes divertidos, sempre comoventes», os dezassete contos desta colectânea são prova da extraordinária capacidade narrativa de Haruki Murakami.


Não parti para a leitura desta colectânea de contos com o maior dos ânimos. Como por diversas vezes já referi, estou quase sempre de pé atrás quando inicio a leitura de um dos livros de Haruki Murakami, não obstante ele ser, provavelmente, o meu autor preferido. Como se de um sistema de segurança se tratasse, pego num livro seu com a convicção de que, talvez desta vez, não vá ser uma leitura tão abismal como as anteriores. Neste caso, e infelizmente, este meu palpite no vazio revelou-se algo verdadeiro.

Definitivamente, os contos são uma realidade à parte de um romance. O domínio da arte do conto é paralelo ao da narrativa grande. Por um lado, não pode ser um romance condensado em vinte páginas; por outro, também não pode ser um excerto sem pés nem cabeça, como se de um capítulo se tratasse. Na busca deste equilíbrio, creio eu, reside a técnica de um bom contador destas curtas narrativas. Sendo este o primeiro livro do género que leio de Haruki Murakami, concluo que este talento da arte de contar histórias pequenas é um pouco desiquilibrado nele... numas consegue dar a volta e sair por cima, noutras acabamos por nos perder na névoa indefinida daquilo que não conseguimos identificar bem... e esta minha explicação foi confusa, de certeza.

Temos quatro tipos de contos em «O Elefante Evapora-se». Neste sentido: uns parecem ser fruto de um planeamento calculista e estratégico, outros assemelham-se a primeiros capítulos inacabados, outros resultam de forma espontânea na sua liberdade, e outros ainda não passam de nevoeiro difuso emaranhado. Este nevoeiro, presente em alguns contos mais pequenos, mas também noutros maiores, de tão pouco palpável, não me permitiu fixar-me emocionalmente às suas histórias.

Há contos muito divertidos, outros comoventes, outros maravilhosos. Os preferidos: «O Comunicado dos Cangurus» fez-me rir como poucas páginas, na minha vida de leitor, alguma vez conseguiram. «Sono» arrepia do princípio ao fim. «Os Celeiros Incendiados» tem qualquer coisa que me agarrou completamente, assim como «A Janela», apesar de pequenino. «Um Barco Lento para a China» quase me emocionou, embora não saiba explicar porquê. O conjunto dos últimos três contos também foram muito interessantes, embora destaque «O Último Relvado da Tarde», pelas imagens e aromas transmitidos.

Depois há o caso dos contos intermédios, que na minha opinião estão bem construídos, e são interessantes, mas aos quais não criei por qualquer razão um laço emocional com as suas narrativas. E tenho pena em relação a esses. Tenho pena porque sinto, pela primeira vez, um certo grau de desilusão relativamente a uma obra de Murakami. Embora «Underground» e «Hear the Wind Sing» também não tenham sido propriamente umas pérolas, o caso de «O Elefante Evapora-se» é diferente, porque com este, lá no fundo, eu estava à espera de me deleitar.

Não está em causa a qualidade de Murakami. Todo o surreal, o imaginário fantástico, as vidas expostas das personagens, a sinceridade brutal com que o quotidiano é recriado, tudo isso me continua a entreter neste autor. Mas, talvez pela duração que cada conto tem, foram poucas as ligações que criei, muito súbitas e repentinas. Na minha opinião, Murakami move-se bem na área do conto, mas não tanto como verdadeiramente domina o romance. Pelo menos na maioria das vezes. Contudo, e apesar de todas as coisas que disse, estamos perante uma leitura descontraída, divertida, relativamente leve (embora seja discutível), e aconselhada por mim!


Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Crítica - 333

Título: 333
Autor: Pedro Sena-Lino
Editora: Porto Editora
Nº de Páginas: 181
Preço Editor: 16,05€

Sinopse: «Esta é a história de um livro e de todos os seus 333 exemplares impressos. É a história secreta do impacto de um livro na vida de cada um dos seus leitores, e de como um rectângulo de papel pode transformar uma vida.»


Não estava à espera de encontrar em '333' quase nada daquilo que encontrei. Para ser sincero, também não sei definir quais eram as minhas espectativas à partida. Como já aconteceu com tantos outros, este livro ficou na estante aproximadamente um ano antes de me ter chamado para a sua leitura. Assim que senti que chegou, por fim, esse momento, peguei nele, pensando que se trataria de uma leitura rápida.

É certo que as circunstâncias que me rodearam entre meados de Maio e meados de Junho não foram as mais folgadas em termos de tempo e disposição, mas mesmo que assim tivesse acontecido a leitura de '333' tinha, definitivamente, demorado mais tempo do que esperaria. Porque há qualquer coisa nesta história que a torna estranhamente complexa.

Passa pela linguagem e pelo estilo do autor. Pedro Sena-Lino, que dirige cursos de escrita criativa, mostra com a sua expressão um universo lexical rico, e um entrelaçar escritas divergentes num aglomerado de 180 páginas. É difícil de explicar. A escrita não é convencional, ao mesmo tempo que não é nem fácil nem difícil - custa a habituar, e, chegado ao fim, não me convenceu ainda totalmente. O estilo é arritmado, ora muito lento ora trovejante. Numa melodia clássica que me pareceu excessiva...

Depois a ideia! A ideia e o enredo desta história são, logo à partida, um grande desafio. O autor consegue caminhar devidamente nos caminhos da acção que à sua volta desenhou. Com genica e destreza, avança para trás e para a frente, envereda por caminhos históricos interessantes, e escapa-se pelas frestas do que nos é oculto. Mas, com tanto movimento e detalhe, nem sempre o consegui acompanhar, facto que lamento.

Há nas páginas deste livro qualquer coisa que não consigo expressar, volto a repeti-lo. É um choro melodioso, um lamentar na noite escura da história, e um percorrer triste de uma realidade com a qual temos dificuldade em lidar: os livros não são eternos. Pelo descuido de uns e desinteresse de outros, todos os dias obras são condenadas aos abandono, hoje mesmo, neste instante... esquecidas e ultrapassadas. Neste ritmo frenético de reposição da novidade em que parecemos viver, '333', na sua teia intrincada e visionária, pode ser um bom livro para tomarmos consciência disso. De agradável leitura e com a sua profundidade, é uma leitura interessante que nos deixa perante um sentimento esfumado... e verdadeiramente inclassificável. Não sei o que sinto.


Personagens Preferidas: Quem leu percebe que é muito difícil encontrar um preferido, embora tantos tenham histórias fantásticas.

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Crítica - O Senhor Brecht


Título: O Senhor Brecht
Autor: Gonçalo M. Tavares
Ilustradora: Rachel Caiano
Editora: Editorial Caminho
Nº de Páginas: 65
Preço Editor: 10,50€

Sinopse: «O Senhor Brecht é um contador de histórias. Senta-se numa sala praticamente vazia e vai contando pequenas histórias entre o absurdo e o humor negro. A sala vai enchendo aos poucos, o que lhe trará no final um novo problema: o público tapa a porta de saída – e o senhor Brecht fica assim encurralado com o seu próprio sucesso.»


Gonçalo M. Tavares costuma dizer que o imaginário criado com esta série «O Bairro» é um caso à parte das suas restantes obras. E que ele próprio só começou a perceber o ritmo e as finalidades da colecção à medida que os ia escrevendo, ao fim de uns quantos. Acho que, como leitor, não podia concordar mais com Tavares: também eu, depois de lidos três Senhores, começo a perceber melhor o conceito desta colectânea de livros.

O Senhor Brecht é, e sem que coloque isto em dúvida por momento algum, o melhor livro que li d' «O Bairro» até ao momento. É como se cada livro tivesse a sua temática. O Senhor Valéry apresentava-nos os esquemas matemáticos, O Senhor Henri tinha como obcessão o absinto, e este O Senhor Brecht quer-me parecer que está virado para as amputações. Maioritariamente. Não é, contudo, devido a esta característica que o livro se tornou o meu preferido (não sou muito sádico). É mais... porque... foi...

Brilhante! Ao longo de 50 pequenas histórias, de apenas uma página, são abordadas inúmeras questões directamente ligadas à nossa sociedade. Temáticas actuais, que representam problemas humanos, uns que são resultado de crises recentes, outros presos a nós desde o princípio da humanidade. Genial! A forma breve e certeira com que estas problemáticas são identificadas é digna de se tirar o chapéu. O Senhor Brecht é uma obra interessantíssima exactamente por isso. Inspirador! Usando e abusando da ironia, a crítica está toda lá, a crítica que é aplicada também a cada um de nós, que podemos identificar-nos naquelas páginas.

Referi atrás a questão da mutilação. Pois é, diria que a quase totalidade das histórias do livro incluem ou uma morte, ou um ferimento, ou o corte de uma parte do corpo (desde dedos à cabeça, passando pelas pernas e pela língua), que, no fundo, estão ali a representar as mudanças e os factores que motivam acontecimentos. Pelo menos é a minha interpretação: interrupcções do estado estático, modificações que funcionam como catalisadores para nos podermos inteirar das consequências. Confuso?...

Deixo-vos com dois pequenos exemplos que escolhi aleatoriamente. Um sem, e outro com a tal violência gráfica:

«Em vez de uvas os cachos do reino deixavam cair sobre a terra diamantes.
- Diamantes, diamantes, diamantes! Há anos que é só isto - queixava-se o produtor.»

«O filósofo dizia que só os homens faziam o importante, enquanto os animais só dispunham de acções insignificantes.
Foi então que chegou o tigre e devorou o filósofo, comprovando com os dentes a teoria anteriormente apresentada.»

Este livro, se analisado com o seu devido tempo, lido com calma, e fazendo ao mesmo tempo um exame interior à nossa consciência, pode ser importante para cada indivíduo. mas se ao leitor não apetecer tal esforço, tem outro uso: simplesmente ler as histórias, com o seu quê de humor (negro...) e deixar de parte a simbologia das metáforas. Um livro divertido, muito rico, e que oferece o que de melhor Gonçalo M. Tavares tem para oferecer com este Bairro. No fim, eu faço parte dos que estão naquela sala, apertados para ouvirem as histórias do senhor Brecht. Senhor Brecht, só mais uma! Vá lá, só mais uma!


Nota (0/10): 8- Muito Bom

Tiago

terça-feira, 24 de maio de 2011

Crítica - Felizmente Há Luar!

Título: Felizmente Há Luar!
Autor: Luís de Sttau Monteiro
Editora: Areal Editores
Nº de Páginas: 140
Preço Editor: 13,03€

Sinopse: «Denunciando a injustiça da repressão e das perseguições políticas levadas a cabo pelo Estado Novo, a peça Felizmente Há Luar!, publicada em 1961, no mesmo ano de Angústia para o Jantar, esteve proibida pela censura durante muitos anos. Só em 1978 foi pela primeira vez levada à cena, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro.»


Como segunda leitura obrigatória para a escola, só neste mês, e pertencendo novamente à categoria de texto dramático, Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro, tinha em mãos uma tarefa peculiar de me tentar cativar. Lido praticamente em cima da hora, isto é, a poucos dias de começar a abordar a obra no contexto da disciplina de Português, cheguei mesmo a ter de ler o II Acto em plena aula, porque fui surpreendido ao ver que, esta segunda-feira, começámos a analisar o livro. E eu só ia a meio. E, uma vez iniciada a matéria, é uma questão de minutos até se começarem a desenhar retrospectivas gerais que envolvem toda a obra. Inclusivé o fim. Sim, spoilers. Não os evitei. Daqueles mesmo maus, que incluem mortes de personagens. É difícil focar-me só na leitura e ignorar por completo o discurso da professora. Mas, ainda que não nas melhores condições, lá concluí a leitura naquele espaço de 90 minutos.

Felizmente há didascálias! Sem elas este livro, enquanto livro, seria mais pobre. Divididas em duas secções (didascálias de movimentações, e didascálias de intenções), o texto está recheado delas, o que ajuda bastante ao leitor a visualisar melhor as situações, e a decifrar os motivos que movem cada personagem. De outra maneira seria muito difícil apercebermo-nos dos jogos e esquemas que estão por trás de alguns dos diálogos; para nós, leitores, que os espectadores terão o trabalho facilitado por aquilo que os actores "decidirem" mostrar. Entre aspas, porque neste aspecto, Luís de Sttau Monteiro é firme - deixa tudo bem claro quanto às intenções e marcações cénicas - não há muito espaço de manobra para os encenadores poderem criar.

O primeiro acto é muito mais politizado que o segundo, embora ambos contenham grandes críticas à sociedade do tempo da governação inglesa em Portugal. E ao Estado Novo. Devem estar a perguntar-se: espera aí, dois períodos tão distantes no tempo, como é que estão relacionados? Simples. O autor queria escrever uma obra que denunciasse a repressão do governo ditatorial de Salazar; mas editar tal coisa durante os tempos de censura era impensável. Daí que tenha recorrido ao estratagema da analogia: a acção da obra passa-se em 1817, em vez de Salazar temos Beresford, em vez do general Humberto Delgado temos o General Gomes de Freire. E temos o contexto de uma revolução que se aproxima. Inteligente, não é? Infelizmente, não escapou ao controlo da PIDE, que proibiu a distribuição do livro.

Mas, dizia eu, felizmente há o segundo acto! Porque o primeiro deixou um pouco a desejar. Muita conversa entre gente de poder acaba de gerar grandes e elaborados diálogos sobre políticas, métodos, intrigas monetárias, etc. E a certa altura cheguei mesmo a perder o fio à meada. Mas o segundo acto funciona como uma lufada de ar fresco, e criamos de imediato empatia com uma ou duas personagens que, emocionalmente interessantes, nos vão acompanhar até ao fim do livro. Os seus gritos de revolta, misturados com as lágrimas de quem verdadeiramente sofre, funcionam ainda melhor como crítica à sociedade e à repressão do que a teorização abordada na primeira metade.

(In)felizmente fica sempre a faltar qualquer coisa! Quase se trata de texto dramático, sinto-o quase dramaticamente. Parece que não foi feito para o leitor, e sim para o espectador, o que faz desta tarefa que é ler uma peça algo um pouco ingrato. Pelo menos é o que sinto. Embora, por mais que tente, não consiga explicar melhor do que isto...

Apesar de tudo fica a sensação de que foi uma leitura agradável, interessante pelos temas que aborda, e que, com certeza, terá dado origem a adaptações para palco bastante bem conseguidas - tem tudo para ter conseguido isso. A certa altura o desespero quer-me parecer ser exagerado, mas felizmente há luar, não é? Uma obra enérgica, que quase se levanta com a sua própria vontade, com o grito que parece dar para fora das páginas. Felizmente há obras assim - agitar consequências é essencial para o avanço do mundo, principalmente quando precisamos de um abanão para restabelecer a ordem da nossa governação. Coincidência ou não, dia 5 de Junho vou exercer o meu direito de voto pela primeira vez na vida, tendo feito há poucos dias os meus 18 anos. Felizmente há liberdade. E, claro, felizmente há luar! Ao menos há luar.


Personagem Preferida: Vicente, e Matilde.

Nota: 6 - Agradável

Tiago

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A Última Amante de Hachiko - Crítica


Título: A Última Amante de Hachiko
Autora: Banana Yoshimoto
Tradutor: António Barrento
Editora: Cavalo de Ferro
Nº de Páginas: 97
Preço Editor: 12,80€

Sinopse: «Romance que reune o Japão das seitas e a Índia da ascese e do misticismo. Mao é uma rapariga que vive numa comunidade religiosa centrada na figura carismática da avó, curandeira e vidente. Esta seita, após a morte da fundadora, começou a trair os seus ensinamentos e a transformar-se numa comunidade de acólitos exaltados e fundamentalistas. Mao, dotada de alguns poderes sensoriaiis e de um singular talento artístico, afasta-se cada vez mais deste ambiente, e acaba por ir viver com Hachi, ao qual está ligada por uma profecia de amor e misticismo. No entanto, a sua relação não está destinada a durar. O inevitável fim desta história de amor assinala para Mao o fim da adolescência e a passagem para uma nova percepcção mais equilibrada da existência.»


Há uns seis meses atrás encontrei, por acaso, uma pack numa Livraria Bertrand - reunia quatro das obras de Banana Yoshimoto, autora japonesa contemporânea, por apenas 20€. Pensei por alguns segundos, e decidi pôr de parte. Não conhecia nada dela, nunca tinha ouvido ou lido sequer o nome, e não estava disposto a arriscar. Passou-se um bom tempo. Até que em Fevereiro uma leitora amante de Haruki Murakami me disse estar a ler um livro dela, que tinha adquirido nesse tal pack, e estava a gostar. Resultado: lá fui eu, com a curiosidade renovada, encomendar os livros. Tive sorte, pois o desconto especial ainda estava a ser praticado!

Na segunda-feira, ao decidir a minha próxima leitura, Banana Yoshimoto lembrou-me da sua existência. E, das quatro capas, a mais bonita de todas era a de 'A Última Amante de Hachiko'. Há qualquer coisa na imagem e na montagem gráfica que me deixam de rastos. Excelente trabalho da Cavalo de Ferro. Movido pelo entusiasmo, iniciei a leitura deste curto romance de aproximadamente 100 páginas.

A primeira metade do livro é estranha. A acção decorre de forma arritmada, não é criada uma ligação especial entre o leitor e a história. Começa-se desde o princípio a notar no estilo particular da autora, que se lança em devaneios emocionais interessantes, servindo-se como base de parágrafos curtos de ideias fechadas. Mas falta ali um clique que nos faça agarrar ao livro, é como se estivessemos em processo de transfiguração para a dimensão que a literatura oriental representa para o Ocidente. Há sempre um choque, e um tempo de adaptação. Adaptação essa que, neste livro, não me caiu particularmente bem.

A segunda metade revelou-se, contudo, diferente. Mais fluida, a narrativa segue em direcção fim inevitável que é ditado ao longo de quase cada página. Existem passagens lindíssimas, arrepiantes, momentos em que os conceitos que temos do mundo e da existência parecem fugir-nos para longe durante alguns segundos. Não é que tenha apreciado a maioria das cenas românticas, porque escapam-me um pouco: são relatadas como algo plástico, meio artificial. Ou pelos menos fiquei com essa sensação.

O misticismo japonês, misturado com a questão ascética indiana, são o elemento que mais destaco no livro. Esta questão das seitas, das aparições fantasmagóricas, da sensibilidade para o sobrenatural; e do exílio, das orações pela paz, das montanhas de retiro... são questões que, no campo da literatura, e pela experiência que tive com este livro, se revelaram interessantes. E acabam por ser o ponto mais profundo, a marca que 'A Última Amante de Hachiko' deixa em mim.

Resumindo e concluindo, ou tentando resumir e concluir: fico com um sentimento meio abstracto e ambíguo em relação ao livro. Se por um lado existem passagens que transmitem as sensações das cores e da existência humana, existem outras em que o amor nos parece exageradamente descabido. Se em certos momentos a história sobe a níveis de emoção e cria e ligações quase místicas com o leitor, noutros parece que tudo não passa de uma refeição que comemos, digerimos, e já está. Pelo vínculo que renova em relação ao imaginário oriental, valeu a pena a leitura. Ainda tenho os restantes três da autora para ler, e vão servir como termo de comparação. Uma leitura muito agradável, mas que soube a pouco, e deixou um travo agridoce na consciência.


Personagem Preferida: Hachiko, mas não criei ligação com nenhuma em particular.

Nota (0/10): 7 - Bom


Tiago

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Desabafo

A todos os leitores do Lydo e Opinado:

Ainda não passou um ano desde que escrevi um desabafo a propósito do blog. Na altura mostrei o meu desânimo pelos dias em que não colocava nada de novo no espaço, e confessei o meu medo de perder visitantes por essas falhas na regularidade. Falhas que se tratavam de não escrever no blog 5 dias por mês. Ao reler este meu testemunho de Julho passado, não pude evitar rir-me. O que dizer da situação do Lydo e Opinado neste ano, não é?

Esta reflexão quer explicitar aos leitores do nosso espaço a nossa política actual, a dois meses do nosso 3º aniversário: a crítica literária. Para onde foram as entrevistas? Para onde foram os passatempos? E as crónicas do mês? E as novidades da semana? Tudos aqueles elementos que, no fundo, estão explícitos na imagem-título no topo do blog? Pois é. Dos 36 artigos que publicámos este ano, 24 são críticas a livros.

A todos os que nos visitavam pelas crónicas de opinião; pelas entrevistas exclusivas aos autores, tradutores, editoras; pelos passatempos em que oferecíamos livros que gostávamos cedidos por editoras... as nossas sinceras desculpas. Na vida de um blog existem muitas fases, e estamos actualmente a viver uma diferente da do ano passado. O 12º ano de escolaridade não nos tem dado muitas abertas, e mesmo assim temos conseguido manter o ritmo de leitura e a sinceridade e independência nas críticas. Mas não dá para mais.

Regressámos, pois, temporariamente ou não, ao objectivo inicial do nosso blog: lermos, e opinarmos. As nossas críticas são sinceras: não estamos associados a qualquer editora e fazemos questão de assim continuarmos a estar. Podemos ter as nossas preferências entre as muitas que existem, mas não somos obrigados por ninguém a ler nada. Dizemos mal de um livro quando queremos dizer. Expressamos o melhor que conseguimos os nossos sentimentos para com uma leitura.

A todos os visitantes que continuam a passar pelo nosso canto, seja desde o princípio ou desde a semana passada, um obrigado profundo e sincero. O Lydo e Opinado pode ter uma frequência menor de artigos, mas continuamos empenhados na crítica que fazemos ao que lemos. Escrevemos para todos vocês, na mesma medida em que também vos consultamos. A rede de blogs sobre literatura é vasta, e partilhamos experiências diariamente, com vista a detectarmos os livros que foram "escritos para nós", e aqueles que, pelos vistos, nos passam ao lado.

A todos um muito obrigado, em meu nome e da Sara, e possa o Lydo continuar a ser um poço de críticas para todos os que vêm em busca de uma opinião.


Tiago

terça-feira, 17 de maio de 2011

Crítica - Valley Song


Título: Valley Song
Autor: Athol Fugard
Editora: Theatre Communications Group
Nº de Páginas: 60
Preço Editor: 12,26€

Sinopse: «Rarely has a playwright been so closely identified with his country and his people as Athol Fugard. Fugard's extensive body of work has served as one of the moral beacons in the bleak world of South Africa, and now, in Valley Song - this coming-of-age story about a young girl seeking the courage to embrace the future while her grandfather searches for the wisdom to let go of the past - he applies his great gift to the work of healing and of envisioning the future.»


O contexto desta leitura: obrigatória na disciplina de Inglês no 12º ano (na área de Línguas e Humanidades). Não existe tradução portuguesa deste texto dramático sul-africano, escrito em inglês. A obra, essa, é praticamente impossível de obter em Portugal - foram precisas muitas idas à FNAC, muitas encomendas e adiamentos, e no fundo comprar pela Amazon até teria sido a solução mais prática. Mas falemos da leitura, que estes apartes são de pouco interesse quando se trata de fazer uma crítica ao livro.

A peça, escrita em 1996, fala-nos de uma África do Sul em dificuldades, em que a desigualdade é um problema sério. Das três personagens que nos são apresentadas, o avô e a neta são aqueles que imediatamente captam a nossa atenção. Não só a relação entre eles, e sim cada um deles separadamente: o avô, preso aos fantasmas do passado; a neta, que acredita no poder de sonhar e ir mais além. O sentimento à volta do qual o texto se vai desenrolando é o de que está a chegar a hora de as coisas mudarem: aprenderam muito um com o outro, mas o conflito terá de rebentar mais cedo ou mais tarde.

As didascálias estão presentes em bom número. Não são em demasia, o que irritaria o leitor devido à falta de fluidez dos diálogos; nem são demasiado poucas, o que nos ajuda a definir um pouco as intenções correctas e os movimentos. Foi para mim complicado imaginar aquelas cenas a desenrolarem-se num palco de teatro: como leitores somos imediatamente levados a imaginar os cenários, as enormes planícies africanas, as propriedades, a escuridão da noite e o canto dos grilos. Nas cenas em que a personagem «Autor» aparecia, lembrava-me subitamente que se tratava de um cenário, de uma recriação, de um palco. Ler teatro é estranho nesse sentido.

Veronica, a neta, nutre uma adoração pelo canto. Inventa as suas próprias músicas, cujas letras estão presentes ao longo do livro. Dou um bom destaque a estas canções. Era quase como se as conseguisse ouvir. Gostei muito das letras, achei-as muito musicais, e este trabalho de poesia que o autor desenvolveu e inseriu no livro está de muito bom gosto.

Gostei do desenrolar da história, e no fim fica a sensação de que acabou a peça, aplaudi sem grande vontade, me levantei do meu lugar, e regressei a casa. Claro que algumas questões me ficaram no pensamento, mas não penso que a obra atinja uma intensidade suficiente para marcar um leitor. Ao vivo, provavelmente, seria um caso diferente - dependerá das interpretações, claro. E comparar literatura com artes de espetáculo é injusto e impossível. Mas esta sensação de que a trama poderia ter ido um pouco mais longe irá perseguir-me enquanto analisar a obra nas aulas. Ou, quem sabe, ao aprofundar certas passagens, descubra enquantos que a uma primeira leitura me tenham escapado. Uma leitura agradável, que aponta um dedo à situação social na África do Sul, e nos relembra das divergências existentes entre gerações. É nesses choques geracionais, contudo, que o mundo vai evoluindo...


Personagem Preferida: Buks, embora a teoria dos sonhos de Veronica seja maravilhosa.

Nota (0/10): 6 - Agradável


Tiago

domingo, 15 de maio de 2011

Crítica - A Canção da Ninfa

Título: A Canção da Ninfa
Saga: As Novas Crónicas de Spiderwick 1#
Autores: Tony DiTerlizzi e Holly Black
Tradutora: Isabel Gomes
Editora: Editorial Presença
Nº de Páginas: 162
Preço Editor: 8,68€

Sinopse: «Julgas que aqui a vida é só divertimento e sol? Vê bem! Isto até era bastante bom antes de me terem arranjado esta meia-irmã sem jeito e pateta. E não veio sozinha. Trouxe aquele livro enorme e estúpido sobre criaturas fantásticas. Ela garantiu que existiam mesmo, mas achas que eu acreditei? Não. Disse-lhe que era uma fraude. Meu! Estava enganado. Agora há criaturas fantásticas por todo o lado! POR TODO O LADO! E NÃO se vão embora se não as ajudarmos! AZAR!»


Cinco anos depois da minha última incursão pelo mundo de Spiderwick, eis que regresso a um território do qual tinha saudades. «As Crónicas de Spiderwick», editadas em 2004, foram uma das minhas primeiras incursões na leitura voluntária. Uma vez, há uns seis anos, comprei o primeiro volume numa feira do livro, e na altura aquelas 105 páginas (com ilustrações pelo meio) foram a minha leitura de Verão. Os 4 volumes seguintes não tardaram; e depois foi a adaptação cinematográfica; e depois... nada.

Até que o ano passado foi lançada uma trilogia-sequela: «As Novas Crónicas de Spiderwick». É como vos digo: as saudades falaram mais alto, e adquiri o primeiro volume, numa dualidade de sentimentos que era regressar àquele imaginário e ao mesmo tempo ter medo de desmistificar o original. Ora, nesta leitura que me durou apenas duas horas (a sério que fiz um esforço para aproveitar cada página...), fiquei com uma sensação positiva a agitar-se em mim.

Numa primeira fase, o livro parece que vai seguir um pouco as pisadas dos anteriores; isto embora mude de cenário e de personagens. Mas depois a linha da história vai evoluindo, de forma quase melódica, e somos puxados para os cenários e a beleza daquele mundo no qual trevos de quatro folhas nos permitem distinguir criatura fantásticas! A intriga vai evoluindo, e a ligação que temos com cada uma das personagens também. Para um livro infanto-juvenil, «A Canção da Ninfa» atingiu-me de forma muito particular. Talvez por trazer ao de cima vivências que já tinha experimentado com 11, 12 anos.

E depois um momento de clímax para os leitores dos volumes anteriores - as histórias entrecruzam-se! E mais não posso contar, sobre perigo de spoilers que podem ser facilmente controlados. Fiquemo-nos pela descrição: a escrita de Tony DiTerlizzi e Holly Black é fluida, verdejante, e cativante. Não conseguimos perceber onde acaba o toque de um e onde começa o do outro, este livro a duas vozes é uno nas sensações que transmite. As personagens são interessantes, têm os seus defeitos e as suas qualidades, e é fácil de criarmos uma ligação emocional com elas.

Achei o livro muito bonito. Fiquei com pena de ser tão pequeno (isto apesar de ser o maior dos 6 livros!), e quando o leitor se começa a entusiasmar mais do que nunca - é quando acaba. Não sei explicar melhor: existe uma qualquer magia nestas páginas, Spiderwick tem qualquer coisa que outros livros deste cariz não têm. Dá vontade de ir a correr em direcção a um bosque em busca de um gigante, ou de um lago cheio de ninfas, ouvir a canção de Taloa... as ilustrações são excelentes, e o trabalho de edição da Editorial Presença também é digno de nota, com a capa ao nível das anteriores. Recomendado a miúdos e graúdos - vão encontrar encantamentos nestas páginas, para além da simplicidade com que a história é contada!

Personagens Preferidas: Nick, e a breve aparição de... [spoiler a branco: Simon].

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago
Blog Widget by LinkWithin