terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Crítica - Uma Viagem à Índia


Título: Uma Viagem à Índia
Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: Editorial Caminho
Nº de Páginas: 456
Preço Editor: 25€

Sinopse: «Este livro é a narrativa da viagem de Bloom - um homem que tenta aprender e esquecer no mesmo movimento, traçando um itinerário de uma certa melancolia contemporânea.»

(100ª Crítica do Lydo e Opinado!)

Partamos do mais óbvio, tal como Bloom partiu de Lisboa. A forma de «Uma Viagem à Índia» recorda-nos uma outra viagem à Índia, uma a que poucos portugueses terão escapado ao longo da sua educação e formação cívica - Os Lusíadas. É que tal como a epopeia de alguns séculos atrás, esta nova também traz o mesmo número de Cantos, e o mesmo número de estrofes. Desengane-se quem pense que Gonçalo M. Tavares se colou por completo, pois isso também não aconteceu - o número de versos por estrofe tem grandes variações, assim como as sílabas métricas de que são compostos. Nestes pontos Tavares deu a si próprio liberdade.

As turbinas do nosso avião começaram a ligar-se, tal como as do que Bloom apanhou para Londres também. Mas atenção, ainda podem comprar bilhete aqueles que não estavam cá há cinco minutos. Para aqueles que torceram o nariz perante as palavras «estrofe», «verso», e, de forma subentendida, «poesia», podem estar descansados. Não se trata de poesia, e sim de... prosa quebrada. Imaginem um romance ao qual foi dada uma formatação estranha, introduzidos parágrafos ao acaso, e toma forma de poema. Não é a forma que define o conteúdo, mas isto sou eu que digo. E ao estilo que mistura poesia e prosa dá-se o nome de epopeia. Assim são os Lusíadas, e assim é esta que é chamada a primeira epopeia portuguesa do século XXI.

O avião levanta voo, sobrevoando terra em mar neste começo de viagem, em que Bloom quer esquecer por um lado, e procurar a sabedoria pelo outro. Nesta viagem à Índia, também cada um de nós é passageiro. Estamos perante a presença de um narrador que achei divertido e com sentido de humor, e um anti-herói chamado Bloom. Vamos descobrindo aos poucos a sua história, vai-nos sendo relatada aos poucos a sua viagem... e o enredo está pejado de paralelismos com Os Lusíadas. Só que esta é passada em 1498, e a outra no ano de 2003. E onde numa existem ninfas da Ilha dos Amores, na outra existem prostitutas num bosque das imediações de Paris.

Chegamos a Londres. Partamos para Paris. Temos de chegar à Índia, mas pelo caminho temos de percorrer muito caminho, porque muita da importância deste nosso acto passa pelo itinerário, e não exclusivamente pela chegada. Estamos perante um leque de personagens profundamente intelectuais. Por mais que o neguem, ou não. A linguagem, sempre funcionando com os jogos de lógica, os trocadilhos mentais, as questões metafísicas aplicadas a uma realidade que nos é conhecida, mexem com o leitor. Assim como as metáforas escolhidas por Gonçalo M. Tavares. Existem imagens/pensamentos/ideias que não serão apagados com facilidade da minha cabeça.

Paremos em Paris só para um cafezinho, que temos outros aviões para apanhar. A Índia, terra de sabedoria na qual finalmente nos encontraremos connosco próprios, espera-nos com ansiedade. Sejamos rápidos nestas considerações, que um ritmo frenético bate dentro de nós, a felicidade chama-nos ao longe. «Uma Viagem à Índia» trata-se de literatura portuguesa, da muito boa. Que o diga a crítica nacional, que tanto tem aclamado esta epopeia. Eu, que só conhecia Gonçalo M. Tavares do imaginário d' O Bairro, espantei-me a sério com esta obra que, meio por intuição, adquiri e logo li.

De cariz pessimista mas num tom que foge a este sentimento, com uma intelectualidade de discurso por vezes excessiva, noutros pontos certeira, uma profundidade de pensamentos que ultrapassa em muito o banal que existe num livro, «Uma Viagem à Índia» não é só uma viagem à Índia, é uma viagem a dentro de nós próprios, leitores, que nos aventuramos naquelas páginas e meio embasbacados terminamos a leitura. Que bom é existem autores portugueses que sabem arriscar bem. Pousemos, pois, os nossos pés em solo indiano.

Personagens Preferidas: Bloom. Pela sua inegável humanidade, sendo inegavelmente personagem.

Nota: 9 - Excelente.

Tiago

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