terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Crítica - Adeus, Tsugumi


Título: Adeus, Tsugumi
Autor: Banana Yoshimoto
Tradutor: António Barrento
Editora: Cavalo de Ferro
Nº de Páginas: 160
Preço Editor: 12,80€

Sinopse: «Desde a sua nascença Tsugumi possuía um corpo frágil e vulnerável. Os médicos anunciaram que ela iria morrer jovem e a família preparou-se para o pior. Sob essa ameaça, aqueles que a rodeavam estragaram-na com mimos. Tsugumi desenvolveu uma personalidade resoluta e insolente. Era maldosa e rude, tinha uma língua retorcida, era egoísta, mimada e de uma sabedoria maliciosa... Era tal qual um demónio.»


Transportado para uma praia japonesa de uma pacata vila pescatória. E depois, a partir daqui, tanto faz que seja manhã, tarde, ou noite, que a magia já está toda lá. A partir do momento que Yoshimoto consegue fazer-me isto com a sua obra «Adeus, Tsugumi», tem um leitor conquistado. Porque esta questão dos transportes às vezes basta por si só: se consegue criar uma relação emocional entre o cenário da história e quem a está a ler, pode ser um trunfo precioso. Pode dar-se o caso de as personagens não nos cativarem particularmente - não senti especial proximidade com nenhuma ao ler este livro - ou de a história também não ser tão especial como à partida prometeria - a minha relação com o enredo é pouco entusiasmada - mas como a autora realiza com sucesso a missão de transporte, gostei do tempo que passei com estas páginas.

Depois de uma primeira fase da história ligeiramente mortiça, em que demoramos um pouco a habituarmo-nos ao estilo de Yoshimoto (é verdade que já tinha lido um livro dela há alguns meses, mas tinha ficado com uma opinião muito indefinida). Mas rapidamente esta sensação de que somos levados para lá nos vai invadindo. A humidade e o ar salgado de que a protagonista sente tanta falta. As imagens que tem da vila de onde vai partir, e da qual sente já saudades. Poderia destacar a expressão de «perda eminente» como a que possivelmente caracterizará melhor a obra: a vila, a casa do passado, a própria Tsugumi que é doente desde pequenina.

Tentando encontrar elementos a que me agarrar, descortino os momentos em que as personagens deambulam pelas suas vidas naquele Verão. Os ambientes descritos, destacando principalmente o meu capítulo preferido - "Festival". É daqueles extractos de um romance que davam um conto por si só, que captam um determinada energia e a fazem resplandecer de forma especial. Os longos passeios pela noite fora, e a ameaça de Tsugumi poder adoecer. As manhãs de sol luminosas, e a ameaça de Tsugumi poder escapulir-se como tantas vezes faz. À noite, na praia, juntos à fogueira, numa cena a fazer lembrar quase um daqueles livros de aventuras juvenis da Enyd Blyton, e a ameaça do cão voltar a desaparecer. Os momentos são efémeros e vão passar-se todos com uma rapidez impressionante; ao mesmo tempo que são gravados na cabeça de Maria com uma lentidão igualmente intrigante.

Não posso evitar fazer uma referência ao trabalho de tradução, ainda que não saiba exactamente se hei de opinar positiva ou negativamente. Ou o estilo de Yoshimoto é assim mesmo, meio desiquilibrado em alguns momentos, ou então talvez seja consequência do trabalho do tradutor. Nem sempre achei que as passagens estavam escritas da melhor forma, mas talvez esteja a ser injustiça da minha parte. Tendo sido traduzido do japonês, tem um mérito próprio, uma aproximação valiosa. O trabalho de edição pecava por algumas gralhas em termos de parágrafos e travessões, mas justifica-se por ser uma primeira edição.

Em suma, um livro que nem sempre consegue manter em cima um grau de entusiasmo elevado para quem o está a ler. Mas com momentos poderosos, e uma capacidade de transporte para o cenário que achei das mais dolorosas que já li - dolorosas neste sentido positivo que é colocarmo-nos lado a lado com a personagem principal, já antevendo o momento em que vamos ser separados daquele mundo. Adeus, Tsugumi, e a vila que é a tua casa.

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

domingo, 27 de novembro de 2011

Crítica - 1Q84


Título: 1Q84 (Livro 1)
Autor: Haruki Murakami
Tradutoras: Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso
Editora: Casa das Letras
Nº de Páginas: 490
Preço Editor: 18€

Sinopse: Um mundo aparentemente normal, duas personagens - Aomame, uma mulher independente, professora de artes marciais, e Tengo, professor de matemática - que não são o que aparentam e ambos se dão conta de ligeiros desajustamentos à sua volta, que os conduzirão fatalmente a um destino comum. Um universo romanesco dissecado com precisão orwelliana, em que se cruzam histórias inesquecíveis e personagens cativantes. Em 1Q84, Haruki Murakami constrói um universo romanesco em que se cruzam histórias inesquecíveis e personagens cativantes. Onde acaba o Japão e começa o admirável mundo novo em que vivemos? Uma ficção que ilumina de forma transversal a aldeia global em que vivemos.


O primeiro capítulo desta obra é condição suficiente para o vínculo Murakami-Eu ser criado. E isto é de louvar. Primeiro, porque a minha experiência relativa aos livros deste autor japonês é a de começos pouco entusiasmantes, exceptuando um ou dois casos. O primeiro volume de 1Q84 tem início no interior de um táxi preso num congestionamento de trânsito. Toca na rádio a Sinfonietta, obra clássica de Leos Janacek. A mulher está com pressa, e não tem vontade de esperar horas naquela fila. E estão lançados os dados para aquela que é, provavelmente, a cena inicial mais épica de toda a carreira de Haruki Murakami enquanto romancista. O mérito de um excelente primeiro capítulo: no mínimo, já tem este prémio.

A obra intercala capítulos narrados pelas duas personagens principais: Aomame, e Tengo. Tenho uma opinião muito clara... na primeira fase do livro, os capítulos dela são muito mais fortes que o dele. O que não significa que as coisas não mudem de figura mais à frente. Sentia até um certo anti-clímax quando chegava a um capítulo de Tengo: "pronto, meia-hora sem Aomame".

Os cenários que Murakami cria são fabulosos porque nos levam para lá. A magia respira-se com facilidade. Destaco a cena da estufa das borboletas. Os diálogos entre as personagens são óptimos, fluem com uma consistência assustadora. E, de tão naturais são, que conseguem mexer com as nossas emoções, ao ponto de me fazerem rir tantas vezes. Esta é uma característica que me interessa muito em Murakami. O ambiente é de realismo fantástico, respira-se magia, mas magia sóbria: e, no entanto, consegue fazer-me rir tantas vezes. Destaco como exemplo o ensaio para a conferência de imprensa!

Depois desce às zonas mais profundas. A violência doméstica, por exemplo. As seitas religiosas e o mistério que criam à sua volta. Aventura-se pelos caminhos do que é realidade e do que é imaginação. É difícil fazer ver a minha opinião: com Murakami é particularmente difícil. A tradução é envolvente e torna a obra de leitura extremamente agradável: o trabalho conjunto de Maria João Lourenço e de Maria João da Rocha Afonso resulta numa harmonia digna de nota - uma harmonia murakamiana que já é tão típica para os leitores portugueses.

No entanto, e apesar de todos estes pontos positivos, e apesar de uma parte de mim ter ficado a morar naquele universo enquanto aguardo pelo lançamento do volume 2 para Março, e apesar daquele mundo ter tanta coisa interessante por contar, não foi uma experiência de imersão tão forte como já tive em alguns outros livros dele. Talvez por não se cravar de forma tão funda no universo das não-explicações. Talvez por abordar temáticas demasiado reais como a questão das seitas e da violência doméstica. Talvez pela insuficiente exploração do lado solitário das personagens... não sei, mas Aomame e Tengo não me conquistaram totalmente. Fico à espera do próximo com o entusiasmo em níveis altos, mas... mas...

É difícil falar de 1Q84 mas é fácil ler 1Q84. Somos levados a passear por uma Tóquio alternativa, viva, não tão vibrante como a de After Dark, mas ainda assim entusiasmante. Temos as cenas de ternura elevadas ao expoente máximo, como a leitura de Tchékov em voz alta. Temos as cenas de fazer crescer água na boca, como o jantar no restaurante de luxo. Temos personagens de todos os géneros e feitios, uma obra verdadeiramente diversificada neste aspecto! E uma linguagem que nos remete constantemente para imagens ilustrativas dos pensamentos das personagens... ficamos perturbados pelo comportamento de algumas delas. O mistério é outra das componentes, mas não gosto de associar essa palavra à obra do autor, parece-me sempre demasiado redutor. Duas personagens que passam para lá da linha do razoável e vão parar a não sabem onde, sem saírem do sítio. Já não estamos em 1984.

Nota (0/10): 8 - Muito Bom.


Tiago

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Girl with a Pearl Earring - Crítica


Nome: Girl with a Pearl Earring
Autora: Tracy Chevalier
Editora: Plume
Páginas: 233


Sinopse: "When Griet becomes a maid in the household of the seventeenth-century painter Johannes Vermeer, she thinks she knows her role: housework, laundry, and child care. She even feels able to handle his shrewd mother-in-law, his restless wife, and their jealous servant. What no one expects is that Griet's quiet manner, quick perceptions, and fascination with her master's paintings will draw her inexorably into his world. Their growing intimacy sparks whispers: and when Vermeer paints her wearing his wife's pearl earrings, the gossip escalates into a full-blown scandal that irrevocably changes Griet's life. Witten with the precision and focus of an Old Master painting, Girl with a Pearl Earring seamlessly blends history and fiction into a luminous novel about artistic vision and sensual awakening."


1664 é o ano em que tudo começa. Conhecemos Griet, uma rapariga simples de dezasseis anos que tem uma família unida e pacata. No entanto, nem sempre tudo corre bem. O seu pai, um homem dotado de jeito para a pintura, perde a visão e as coisas mudam radicalmente: este fica sem emprego e o dinheiro começa a escassear. É neste ambiente que Griet se vê obrigada a ir trabalhar para casa de um pintor bem conhecido e falado, para poder ganhar alguns trocos para a sua família que quase morre de fome. Sentindo-se responsável por eles, Griet vai para lá um pouco contrariada. É aí que toma contacto com pessoas novas e também um estilo de vida novo. Para ela, muitas coisas vão mudar. Mas nem todas as mudanças vão ser boas.

A partir do momento em que estamos conscientes que o livro se passa no século dezassete, as coisas mudam um bocado. A mentalidade muda. Então, começamos a ver os acontecimentos a desenrolarem-se de outra maneira. Época em que as empregadas eram vistas com más olhos, Griet entra num mundo do qual nunca chega a sair. Etiquetada como empregada doméstica, para sempre se sente uma; o que vai fazer com que certas acções lhe pesem na consciência e a deixem com noites mal dormidas.

Tinham-me dito que, tal como o filme, o livro era muito parado. Eu acho que foi exactamente essa calma com que as coisas aconteciam que me deixou mais presa às palavras de Tracy Chevalier. Tudo acontece ao seu tempo e cada coisa tem o seu significado, por mais pequeno que seja. Entramos num livro que é cheio de cenários, paisagens, cores e cheiros. Achei maravilhosas as descrições que Griet fazia de cada quadro que o seu mestre começava a pintar. Não só os conseguimos imaginar à nossa frente como conseguimos saber no que é que o modelo estava a pensar ou o que é que aquela obra significa.

Acompanhamos a vida de Griet que, tal como a de toda a gente, tem os seus altos e baixos. Mas é a partir do momento em que se aproxima do seu mestre que algo estranho acontece. Subitamente, sentimo-nos presos àquele mundo de cores, telas e tintas. Mais nada em nosso redor existe. Os sons são longíquos, perdemos a sensação de toque. Tudo o que interessa é aquilo que vemos. E Griet vê o seu mestre, o seu adorado mestre. É presa a esta paixão platónica que ela acaba por viver os seus dias, sempre com medo da sua esposa, mas sempre desejando que ele repare nela. E nós nunca chegamos a perceber se ele realmente o faz. Nunca chegamos a perceber se ela não passa apenas de mais uma pintura. É este jeito de mistério que me deixa presa a esta obra. Não só as descrições, o ambiente e as personagens. É aquele mundo de Vermeer que me faz não querer guardar o livro na prateleira.

Personagens favoritas: Griet, Vermeer, Maria Thins, Pieter the son.

Nota: 9/10 - Excelente

Sara

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Atenção: o Lydo e Opinado é incredível

Hoje, num passeio pelo mundo dos blogs literários, encontrei por acaso um artigo do blog The Taste of Orange, assinado pelo João X, que fazia referência aqui ao Lydo e Opinado. O título do artigo era "Como perder credibilidade rapidamente", e podem lê-lo carregando aqui. Depois de lerem o artigo regressem novamente, por favor. João X, segue a minha resposta, demasiado extensa para a ter colocado sob a forma de comentário (o blogger impediu). De qualquer das formas, achei que seria construtivo publicá-la aqui no Lydo.


A credibilidade do Lydo e Opinado é nula. A única coisa a que o blog é fiel é a opinião imediata e não reflectida dos livros que são lidos. Mesmo neste ponto não posso falar por ambos os autores. Eu, Tiago, digo isto. Escrevo as opiniões de acordo com o que sinto no momento em que acabo de o escrever. Atribuo uma classificação de 0 a 10. A credibilidade do meu blog é nula, e continuaria a ser nula mesmo que desse 10 a “Crepúsculo” de Stephanie Meyer e 1 a “Sputnik, Meu Amor” de Haruki Murakami. Nula. Não tenho qualquer doutoramento, mestrado, licenciatura sequer. A minha idade: 18 anos. Está vista a credibilidade que alguém poderia andar à procura – se é essa credibilidade que se procura no Lydo e Opinado, não vão encontrar. Se a credibilidade que se anda à procura são notas elevadas atribuídas a livros clássicos ou de autores credíveis como Murakami, e notas baixas relativas a Stephanie Meyer e às suas sagas de vampiros, não vão encontrar isso nas minhas opiniões no Lydo e Opinado. O Lydo e Opinado é incredível até à ponta dos cabelos – se os blogs os tivessem. 

1º Ponto – O blog tem actualmente dois autores: o Tiago e a Sara. Quando faz a comparação de notas atribuídas a “Crepúsculo” e “Sputnik, Meu Amor”, está de facto a circunscrever –se às minhas opiniões. Mas cuidado quando diz que quem leu Jane Austen, Victor Hugo, Tolkien, devia dar más notas a José Rodrigues dos Santos e Dan Brown. Não li nenhum destes dois autores, quanto mais atribuir-lhes más notas. Um deles opinou a Sara, o outro a Patrícia. Não que tivesse qualquer problema em os ler, desde que simplesmente me apetecesse. 

2º Ponto - O tempo. As datas em que as críticas foram feitas. É preciso ter-se cuidado para não se colocar os pés pelas mãos. Aquando das minhas duas leituras da Saga da Luz e da Escuridão de Stephanie Meyer, nunca me tinha passado pelas mãos nenhum livro de Haruki Murakami, ou outros autores que refere: Victor Hugo, Jane Austen, J. R. R. Tolkien. Ora quando me é dito que era merecido que “após” termos lido estes autores da elite literária fosse dado o devido crédito (nulo) aos livros dos vampiros, está-se a tropeçar no discurso. A ordem cronológica é muito importante. 

Ainda na questão do tempo, muito importante. As datas das críticas são para ser tidas em consideração. A opinião sobre um dado livro, de um leitor novato e de um doutorado em literatura, não será em princípio a mesma. Li “Crepúsculo” em Outubro de 2008, e “Sputnik, Meu Amor” em Abril de 2009. Estes seis meses, na vida de um rapaz de quinze anos, pelo menos na minha vida, foram importantes. Hoje consigo avaliar de forma muito mais palpável a revolução que, concretamente, o livro “Sputnik, Meu Amor” teve na minha vida de leitor. Mas a nota 9 em 10 não parece muito mal dada, pois não? A questão aqui é o 8 a Stephanie Meyer. Eu dei nota 10 a “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” de George Orwell, o que é um perfeito disparate, porque na verdade esse livro é um 4 em 10, provavelmente. Com os milhares e milhares de livros que ainda tenciono ler ao longo da minha vida, encontrarei sem dúvida obras muito mais notáveis que “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” – altura em que me envergonharei da nota excessivamente alta que dei a este? Não. Porquê? Porque não é preciso ter-se vergonha nestas questões. O tecto da literatura é medido pelo livro mais “alto” que lemos até um dado momento. Se é pessoal, se é credível, tem de se medir pela opinião pessoal. Eu não posso dar nota 4 a “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” de George Orwell, embora, muito possivelmente (quem sabe? Quem sabe?), existam muitos livros bem melhores que esse, ainda por publicar, ou já publicados, não interessa muito. Então… qual é o sentido? 

Quando me surge a curiosidade de ir reler criticas minhas aos arquivos do Lydo e Opinado, claro que me surpreendo. Claro que é frustrante nalguns casos (não devia ser! Mas à vezes… é). O crescimento de um leitor implica situações destas. A escolha está em ter-se um blog de críticas literárias “incredíveis”, e não se ter blog de todo. Devia ser visto como algo positivo os jovens, mesmo as crianças, começassem cedo um registo das suas leituras, e as opiniões que têm. Apuramento crítico, crescimento crítico. Classificar a existência de críticas de jovens imaturos como algo negativo é, desculpem-me a expressão, algo já por si imaturo. Uma coisa é certa: as minhas opiniões actuais, as minhas notas 10 em 10 a Haruki Murakami, George Orwell, etc., são representativas da minha imaturidade. São as opiniões de um jovem de 18 anos que só lê uns vinte e cinco, trinta livros por ano. Com as minhas mutações, os meus gostos, uma abertura inconstante a todas as formas de literatura – clássicos, bestsellers, lusófonos, traduzidos, poesia, teatro, ensaios, contos. Apenas com uma resistência inultrapassável aos “romances cor-de-rosa”, mas com um bocado de esforço creio que possa ser ultrapassado. Ainda não cheguei à fase em que só leio literatura “respeitável”, e espero nunca chegar a esse ponto, a essa cristalização artificial no que os bons críticos e os bons leitores dizem ser bom. Espero não atingir esse nível de credibilidade. Isto leva-nos directamente ao terceiro ponto, já tenho estado a falar dele. 

3º Ponto – Li há dias num outro blog que sigo com muita atenção (Que a Estante nos Caia em Cima!) um artigo com o qual discordei em grande parte. Defendia uma ideia muito restrita sobre o conceito de boa literatura. Não dá. Não funciona. E, agora, vou cometer um atentado contra mim próprio. Eu, provavelmente um dos leitores mais fiéis que Haruki Murakami terá em Portugal, que adoro cada um dos seus livros, incríveis, completamente mágicos; eu, um leitor que tem os vampiros pelos cabelos, e nunca cheguei a ver nenhuma adaptação cinematográfica sobre o tema por estar bastante irritado com o hype que os livros da Meyer estavam a ter; eu, digo e afirmo, colocando em causa toda a minha credibilidade (que já se perdeu mesmo antes de começar o texto, credibilidade zero): 

Quem é que nos diz que a literatura de Murakami é melhor que a de Stephanie Meyer? Os críticos? Os leitores? Pois vos garanto que não é melhor. Não é. Não há livros melhores e livros piores de forma absoluta. Há livros melhores para uns leitores, e livros melhores para outros. Cada leitor é um universo, cada leitor deveria ir construindo esse universo à medida que vai descobrindo os livros que vai lendo. O que nem sempre acontece! Temos opiniões pré-formatadas sobre um clássico, sobre um bestseller. Queremos sentir-nos integrados num determinado grupo social, é isso? Queremos ser vistos como leitores credíveis, leitores cultos, dos que não caem em modas? Pois vos digo que a moda desta boa literatura é tão estúpida como a moda dos bestsellers – isto é, não é estúpida de todo. Estupidez: zero. A credibilidade é definida pelos críticos, dizem-me… têm razão. Daí o Lydo e Opinado ser incredível. No fundo, no fundo, concordamos neste ponto. 

Deixem-me discordar a cem por cento de Oscar Wilde, que, sem qualquer dúvida, tem sete mil vezes a minha credibilidade. «There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well written or badly written». Oscar Wilde terá toda a razão do mundo, mas eu, como pessoa, não lha atribuo da minha parte. Os livros são escritos por uma pessoa para um determinado grupo de pessoas que gostem – às vezes esses grupos são nulos, ninguém os lê. Por vezes são pequenos, as elites da literatura, os nichos de mercado. Por vezes são grandes, os bestsellers. Ora digam-me lá se os melhores livros não são os que atingem uma faixa maior de pessoas? Teoricamente, até serão! Se conseguem atingir mais gente, mudar a vida de mais pessoas, tornar agradáveis os dias de uma maior quantidade de leitores! São a má literatura? Por muito que goste de Haruki Murakami, por pouco que goste de Stephanie Meyer, não posso concordar. 

De qualquer das formas, aqui fica registado: pelo que toca às minhas opiniões, o Lydo e Opinado tem credibilidade zero. As pessoas que vão ler as minhas opiniões no blog, fiquem avisadas: as críticas que escrevo este mês estão actualizadas na sua sinceridade; as e há dois anos e meio atrás, provavelmente reflectem uma opinião que já mudou. Ou não. Se houvesse mais discernimento não haveria tanto lixo à venda nas livrarias, disse o João X. Não chamem lixo, por favor, ao objecto que faz da minha vida um lugar mais agradável de se estar, quer esteja bem ou mal escrito, quer seja credível ou não: UM LIVRO.


Tiago

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Crítica - O Senhor Juarroz

Título: O Senhor Juarroz
Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: Editorial CAMINHO
Nº de Páginas: 65
Preço Editor: 10,60€


Seguindo a linha que forma este «Bairro», do escritor português Gonçalo M. Tavares, esta história apresenta-nos uma nova personagem: o senhor Juarroz. Como os outros três que já tive oportunidade de ler, o livro organiza-se em pequenas situações - às quais seria sem dúvida um exagero dar o nome de contos. Por vezes com uma página, por vezes com apenas três ou quatro linhas, O Senhor Juarroz lê-se em aproximadamente meia-hora, o que acaba por ser o único ponto negativo. Livros que se apagam num instante são uma crueldade para com qualquer leitor! E acho que Gonçalo M. Tavares é um bocadinho assim ao longo de toda a sua obra...

O Senhor Juarroz vive com a esposa num dos prédios deste bairro. Com um comportamento que o aproxima de um demente mental, vai vivendo o seu dia-a-dia com uma abstracção muito grande. Concentrado nos seus pensamentos, esquece por completo a realidade, e troca toda a informação que vai inventando com aquele que efectivamente é real.

O livro é tão breve, e tão intimamente ligado com o resto da colecção deste bairro, que vejo-me impossibilitado de falar mais do que isto em relação à obra em si. Parece ser daqueles livros que não deixam nada acerca do que opinar. Divertido, sim; mas não tanto como o seu antecessor, O Senhor Brecht. Todas as curtas lógicas que nos vão sendo apresentadas são sugadas pelo leitor de forma voraz. Por vezes é preciso reler a pequena história para conseguirmos entender o que era suposto ser dito ali. E alguns pedaços de texto são verdadeiras delícias literárias. Deixo dois exemplos, porque, sem qualquer dúvida, conseguirão mostrar mais por si próprios do que as minhas palavras desta opinião.

Viagem Longa - Como gostava de ler e ia para uma viagem longa o senhor Juarroz decidiu pôr na mala seis exemplares do mesmo livro.

Teoria sobre os saltos - A 2ª parte do salto para cima é a descer, mas a 2ª parte do salto para baixo não é subir - pensava o senhor Juarroz. Se do chão saltares para cima ao chão voltarás, mas se de um 30º andar saltares para baixo é provável que não voltes a subir ao 30º andar. De qualquer maneira, o senhor Juarroz, por preguiça, usava sempre o elevador.

Se calhar o que um leitor deveria fazer era considerar os livros todos d' O Bairro editados até agora como um só, e depois lê-los de forma ininterrupta. Porque dá tanta vontade de continuar a ler, e afinal de contas é tão breve, que a sensação que fica é a de querermos mais. O Senhor Juarroz é, assim, como os seus antecessores, uma obra de divertido teor filosófico, que nos põe o cérebro a trabalhar minimamente, e nos faz rir com os seus pormenores. Nota positiva também para as ilustrações de Rachel Caiano. Mas também uma sensação de que o livro, no seu todo, não atingiu o nível de qualidade de outros da mesma série.

Nota (0/10): 6 - Agradável

Tiago

domingo, 6 de novembro de 2011

O Senhor dos Anéis: A Irmandade do Anel - Crítica


Nome: O Senhor dos Anéis - A Irmandade do Anel

Autor: J. R. R. Tolkien
Editora: Publicações Europa - América
Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues
Páginas: 466
Sinopse: "Não se enganava o crítico ao indicar assim que estamos perante uma obra de leitura obrigatória, que, sem qualquer sombra de exagero, se insere entre as mais notáveis criações literárias do nosso século. Situando-se na linha da criação fantástica em que a literatura inglesa é fértil (...) Tolkien oferece-nos uma obra verdadeiramente monumental, onde todo um mundo é criado de raiz, uma nova cosmogonia arquitectada por inteiro, uma irrupção de maravilhoso que é admirável jogo de criação pura. O sopro genial que perpassa na elaboração deste maravilhoso, traduzido sobretudo no realismo da narração, deixa no leitor o desejo irresistível de conhecer «esse» mundo que, como crianças, chegamos a acreditar que existe. A Irmandade do Anel é o primeiro volume da trilogia O Senhor dos Anéis, em que se integram também As Duas Torres o O Regresso do Rei."

É com muita pena minha que admito perante o nosso blog que conheci primeiro os filmes e, só então, os livros. Nessa fase da minha vida andava demasiado ocupada com o Harry Potter para me aperceber que, de certeza, existiriam mais livros que teriam dado origem a filmes espectaculares. Só depois de alguma pesquisa e orgulho posto de parte é que decidi que tinha de ler os livros, mesmo já conhecendo a história toda.

Há uns anos atrás tentei começar a ler este volume. No entanto, não consegui terminá-lo. Encravei logo nas primeiras páginas, passando toda aquela explicação que nos é dada no início à frente - esse foi logo o meu primeiro erro. A partir daí, muitas coisas ficaram por compreender e, a certa altura, deixei-o de parte. Felizmente, voltei a pegar nele e agora não o larguei. Foi com alegria que li a pequena introdução que nos é feita no início do livro e que fiquei com vontade de ler O Hobbit. Sinto que é algo necessário, obrigatório, para poder compreender cada pormenor desta trilogia. O mesmo acontece com O Silmarillion. Ao longo da história fui lendo várias menções a esta jóia, o que me deixou morta de curiosidade.

Ao iniciarmos esta leitura estamos, de facto, a entrar num mundo completamente novo e original. Daí sentir que as outras obras de Tolkien são tão importantes, pois passam-se exactamente na mesma realidade. Como complemento, pretendo lê-las mais tarde e, quem saiba, fazer um mapa mental do mundo que deixarei para trás.

Em comparação aos filmes, que já tinha visto, senti uma certa falta de intimidade entre as personagens que acompanham Frodo na tão afamada Irmandade do Anel. Todos eles se tratam por "senhor" e existe um tremendo respeito entre todos. No entanto, sinto que esse respeito também não ajudou à criação de laços entre eles. E existe uma criação de laços visível no filme - no livro nem tanto, à excepção de Passos de Gigante e Gandalf com os pequenos halflings.

Mas passando este pequeno pormenor à frente, sinto que existem certas partes do livro em que algumas situações não funcionaram tão bem como eu estava à espera. Provavelmente isso é culpa minha por não conseguir imaginar aquela realidade e aquelas personagens à minha maneira. Tudo se desenrola na minha cabeça como no filme: os actores são os mesmos, os cenários são os mesmos... E talvez isso não ajude. Falo, especialmente, na situação de Mória. No filme, parece super assustadora, um dos pontos fortes da primeira parte da trilogia. No livro, senti-a tão fracamente assustadora, tão fracamente negra e aflitiva. Mais uma vez, a culpa é da minha imaginação corrompida pelos filmes.

De resto, achei o livro formidável. Deu para perceber, perfeitamente, que o livro é muito mais rico em situações e aventuras do que o filme. Muitos pormenores foram excluídos da adaptação cinematográfica e só agora entendo o quão triste isso é. Ao contrário da situação de Mória, senti que Lothlórien do livro é muito mais mágica e misteriosa que aquela que aparece no filme. Aqui sim, senti-me entre Elfos e a sua "magia". Entre toda aquela eternidade e perfeição que o filme não conseguiu captar.

É nesta eterna disputa entre o livro e o filme que eu me foco, peço desculpa. No entanto, foi assim que a minha cabeça se sentiu ao longo desta leitura. Mas, tal como sempre, chega-se à conclusão que os livros - as obras originais - são muito melhores que aquelas que nos querem impor através do ecrã da televisão. Absorvida por esta história que ainda muito me tem a ensinar, aguardo ansiosamente pela leitura do segundo volume que terá de ser adiada devido à Faculdade.

Personagens favoritas: Tom Bombardil, Frodo, Sam, Gandalf, Aragorn, Legolas, Gimli.

Nota: 9/10 - Excelente

Sara

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Crítica - Norwegian Wood


Título: Norwegian Wood
Autor: Haruki Murakami
Tradutor: Alberto Gomes
Editora: Civilização Editora
Nº de Páginas: 350
Preço Editor: 22,20€

Sinopse: «Ao ouvir a sua música preferida dos Beatles, Toru Watanabe recorda-se do seu primeiro amor, Naoko, a namorada do seu melhor amigo Kizuki. Imediatamente regressa aos seus anos de estudante em Tóquio, à deriva num mundo de amizades inquietas, sexo casual, paixão, perda e desejo – quando uma impetuosa jovem chamada Midori entra na sua vida e ele tem de escolher entre o futuro e o passado.»


Parti para este livro com uma imagem de tal forma estereotipada que não fazia a mínima ideia do que ia encontrar nele. Frequentemente é dito que «Norwegian Wood» é o mais romântico dos livros de Haruki Murakami: a aproximar-se dos romances escritos para jovens com as hormonas aos saltos. O próprio Murakami afirmou que «Norwegian Wood» foi uma experiência isolada, a não tenciona voltar ao mesmo género. Por outro lado, a obra é o maior dos fenómenos de venda no Japão. E, um pouco por todo o mundo, são imensos os leitores que dizem que «Norwegian Wood» é o seu preferido. Com um começo algo estranho e anticlimático, como penso ser comum neste autor, debrucei-me sobre um mundo que pensava desconhecer.

Enganei-me. O Haruki Murakami pode dizer o que quiser. Esta não é uma tentativa isolada, e sim uma tentativa integrada entre os seus restantes livros. Não temos em «Norwegian Wood» uma mudança abrupta de estilo, nem de perto nem de longe. Temos a contínua voz deste contador de histórias. A começar em tudo, a acabar em tudo. Na personagem principal, igual a tantas outras de Murakami  (talvez um pouco mais... jovem que o normal). Nas personagens secundárias que o rodeiam, mulheres com histórias tão diversas. No elementos western sempre presentes, músicas, livros, coca-colas. Nos tremendamente bem caracterizados momentos de solidão, e os de paz, e os de vida quotidiana que vai correndo sem que nada ocorra. Murakami retrata a vida de uma prespectiva melancólica.

Foi nesta obra que li um dos mais poderosos capítulos de Haruki Murakami, e isto depois de uns dez livros dele lidos. O capítulo 6 de «Norwegian Wood», este titânico capítulo 6, com 90 páginas (a contrastar com os restantes, que andam à volta das 20, 30 páginas). Um relato de um mundo completamente à parte, mas bem real. Neste preciso instante, há pessoas a viverem esta paz nas suas vidas, separadas de tudo o que nos parece essencial. A sensação com que fiquei quando acabei este capítulo ganhou à que me ocupou quando terminei o livro. Quando estas 90 páginas chegam ao seu término, ficamos com a sensação que está tudo dito, e chega até a nascer em nós um palpite de como aquilo tudo vai acabar. É assim mesmo em Murakami.

Nota negativa... Haruki Murakami excedeu-se com o erotismo desta vez. Principalmente na segunda metade da história. É de se revirar os olhos e suspirar de aborrecimento. Claro que, em tais doses, é propositada esta sensação que passa para o leitor. A personagem principal confronta-se com este mesmo problema: o excesso de sexo. O assunto é tratado de forma contínua, algo que está presente sempre com uma intensidade relativa. Acho que percebi onde o autor quis chegar, mas foi demais. A certa altura as cenas secavam por completo.

Notas positivas... quase tudo o resto! Não há muito que tenha a dizer. A tradução de Alberto Gomes tem alguns elementos que me irritaram um pouco, como os «De verdade?» em vez de «A sério?», e o uso da 2ª pessoa do plural em algumas conversas entre amigos. Mas no geral o espírito de Haruki Murakami foi captado. Este autor tem um força incrível, é capaz de nos cravar dentro das histórias, e deixar-nos lá a marinar durante muito tempo. Não é o livro que entra na nossa vida, somos nós que entramos no livro. Isto é assustador, porque uma parte de nós fica lá, e continua a viver lá mesmo depois de termos acabado. Estou a falar usando o «nós», mas na verdade quero usar o «eu». Nem todos terão a mesma experiência. «Norwegian Wood» foi de uma experiência de leitura triste, melancólica, Murakami ao seu nível - excelente.

Personagens Preferidas: Será possível não se dizer num só fôlego logo três? Naoko, Midori e Reiko.

Nota (0/10): 9 - Excelente

Tiago

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Crítica - Sunset Park


Título: Sunset Park
Autor: Paul Auster
Tradutor: José Vieira de Lima
Editora: ASA
Nº de Páginas: 230
Preço Editor: 16,00€

Sinopse: «Durante os meses sombrios do colapso económico de 2008, quatro jovens ocupam ilegalmente uma casa abandonada em Sunset Park, um bairro perigoso de Brooklyn. Bing, o cabecilha, toca bateria e dirige o Hospital das Coisas Escangalhadas, onde conserta relíquias de um passado mais próspero. Ellen, uma artista melancólica, é assaltada por visões eróticas. Alice está a fazer uma tese sobre a forma como a cultura popular encarava o sexo no pós-guerra. Miles vive consumido por uma culpa que o leva a cortar todos os laços familiares. Em comum têm a busca por coerência, beleza e contacto humano. São quatro vidas que Paul Auster entrelaça em tantas outras para criar uma complexa teia de relações humanas, num romance sobre a América contemporânea e os seus fantasmas.»


Apresento-vos Paul Auster, na forma de um dos livros com melhor trabalho de edição dos que li este ano. E este é só o primeiro de uma longa lista de elogios que vão ler nesta minha crítica. Posso não conseguir garantir-vos que vão gostar tanto de o ler como eu, mas uma coisa é certa: este livro foi, para mim, a leitura certa neste preciso instante. Quando um livro entra na nossa vida, inesperadamente, no momento e no espaço certo, é já à partida um campeão. Sunset Park é um romance urbano, em todos os sentidos; lido precisamente na fase da minha vida em que exploro todo o espírito de uma cidade viva e dinâmica. É um romance sobre as desilusões e as expectativas dos jovens; e de que têm sido compostos os meus últimos meses senão precisamente destas sensações? O livro estava há já um ano na minha estante, mas os acasos guardam-nos estas coisas.

Este é um dos autores que eu, mesmo antes de ler, já sei que vou gostar. Resultado de preconceitos, provavelmente. Já referi a questão do grafismo - a ASA tem vindo a renovar as capas dos livros de Auster, e, na minha opinião, a linha é excelente. Depois, a sinopse. Remeteu-me de imediato, logo que saiu para as livrarias, para uma série de conceitos que associo a boas experiências de leitura. Uma cidade, pessoas à deriva nesse espaço. E, na capa, nas letras pequeninas que divulgam a crítica do Booklist, um destaque para a expressão caracterizadora do romance: 'a miraculosa estranheza de se estar vivo'.

Posso começar já por essa frase. Não num sentido particular, e sim olhando para a generalidade das ideias com que Auster nos presenteia ao longo da obra. Muitas vezes seguindo por caminhos menos convencionais, leva-nos a reflectir um pouco na nossa própria condição. Eu sei que pode parecer um lugar comum, um estereótipo, mas acreditem que não se trata de nada disso. Desde uma série de páginas seguidas em que nos apresenta a história dos jogadores de basebol mais peculiares, até às descrições embaraçosas dos «desenhos científicos» de Ellen com inspiração nos corpos humanos com que se cruza na rua, passando pelas extensas dissertações sobre o filme Os Melhores Anos das Nossas Vidas - filme de 1946, da América do pós-guerra, e cujo título parece ironizar por si só todo o conteúdo deste livro.

A estrutura do romance forma uma teia de personagens que conhecemos num período relativamente curto de tempo. E com as quais simpatizamos num ápice. Cada umas das pessoas sobre as quais este livro se debruça vivem sobre a acção de um sofrimento. Sofrimento camuflado por conformismo. E esta emoção está presente desde a primeira frase - "Há cerca de um ano que ele fotografa coisas abandonadas" sugere algo nesse sentido, não é? - até à última. A melancolia do falhanço e do arrependimento constante, de quem se passeia pela vida sentindo que não é feliz, é o ar que se respira na leitura. Nova Iorque debaixo de um céu azul, mas com uma atmosfera carregada, Outono, Inverno e Primavera.

Foi o primeiro livro que li de Paul Auster. Ouvi há pouco tempo, vinda de uma pessoa que já leu muitos dele, que o autor «já era»! No sentido de que a sua obra se repete muito à volta dos mesmos temas, que se enrola na sua própria monotonia. É muito possível, diria até que é muito provável. Senti indícios disso à medida que ia lendo. Mas, como primeiro livro que li dele, a única coisa que tenho a dizer é que a leitura me emocionou e me colou completamente. Os sobressaltos ao longo do texto, nomeadamente o final algo inesperado para mim, vêm desiquilibrar a tal monotonia - não é suficiente para deixar de ser uma obra lenta,  remoída... mas gostei dela. Muito.

Uma opinião vinda de outra pessoa dizia-me que Paul Auster era o Murakami americano. Está lá a ideia. São diferentes, claro. Paul Auster é mais austero, mais pesado, mais terra-a-terra, mais deprimente, mais sufocante, aflitivo. Mas está lá também a fragância que os livros de Murakami deixam em mim quando os leio. A vida como acto contínuo. A vida e a estranheza de estarmos vivos. Como a certa altura uma das personagens do romance diz: qual é o sentido de duas pessoas fazerem amor e nove meses depois nascer mais uma pessoa no mundo, em ponto pequenino, mas com tanta potencial complexidade e totalidade como todas as outras? Obra incrível, Sunset Park não me deixou indiferente.

Nota (0/10): 9 - Excelente

Tiago

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Crítica - Livro

Título: Livro
Autor: José Luís Peixoto
Editora: Quetzal
Nº de Páginas: 265
Preço Editor: 17,95€

Sinopse: «Este livro elege como cenário a extraordinária saga da emigração portuguesa para França, contada através de uma galeria de personagens inesquecíveis e da escrita luminosa de José Luís Peixoto. Entre uma vila do interior de Portugal e Paris, entre a cultura popular e as mais altas referências da literatura universal, revelam-se os sinais de um passado que levou milhares de portugueses à procura de melhores condições e de um futuro com dupla nacionalidade. Avassalador e marcante, Livro expõe a poderosa magnitude do sonho e a crueza, irónica, terna ou grotesca, da realidade. Através de histórias de vida, encontros e despedidas, os leitores de Livro são conduzidos a um final desconcertante onde se ultrapassam fronteiras da literatura. Livro confirma José Luís Peixoto como um dos principais romancistas portugueses contemporâneos e, também, como um autor de crescente importância no panorama literário internacional.»


A minha única experiência de leitura de um livro de José Luís Peixoto não fora animadora por aí além, chegando mesmo ao ponto de o ter considerado uma desilusão. Na altura, li o primeiro livro que editou. Decidi  que, a dar uma nova hipótese (e tinha que a dar, tinha mesmo - José Luís Peixoto, integrado no círculo da nova geração muito boa de autores portugueses), tinha de dar um salto por cima de toda a obra, e vir para o que de imediato ele escrevera. «Livro», lançado há um ano, esperou alguns meses na minha estante. E encontrou neste mês de Outubro o seu lugar.

O livro não me cativou de imediato. O estilo de Peixoto está, definitivamente, ligado a uma certa ruralidade, resultado da sua experiência pessoal na relação com o campo e com a província. E a verdade é que, à partida, literatura rural não me chama muito a atenção. Vou lendo as primeiras páginas, os primeiros capítulos, e uma sensação de desconforto, de não me adaptar ao espaço. Com a coerência narrativa e estilística do autor, contudo, o enredo vai-se tornando mais interessante, e a vontade de prosseguir aumenta.

Agora, e sejamos sinceros: com a volta que o livro dá no último terço do romance, tudo o que ficou para trás parece um mundo à parte. E o que José Luís Peixoto faz com a parte final deste Livro é o que mais fica guardado na minha memória de leitor. A primeira parte da história acaba por ganhar um ritmo e uma envolvência própria, interessante, bonita, e que no fim temos alguma pena de abandonar. A liberdade que o autor entrega a si próprio é bem usada, e as palavras fluem como natureza rural. Acho que é isso o pretendido. Mas, como já disse, tudo isto parece pintura impressionista; lado a lado com um abstraccionismo-futurismo-surrealismo-dadaísmo que nos é dado a provar nas últimas páginas!

Não quero entrar em revelações. Digamos apenas a recta final deste Livro é um quebrar de barreiras. Esqueçam o enredo, não é disso que se trata. Não é uma reviravolta impressionante no rumo dos acontecimentos. É uma reviravolta impressionante noutro sentido. É a liberdade de um autor levada a um extremo interessante, presenteando a literatura com noções de interactividade, aproximação da relação autor-leitor, transgressão das dimensões que temos como cânon dos livros. Excelente, pela ousadia.

No geral, é uma leitura muito agradável, interessante e espantosa a partir de certo ponto, que consegue encontrar um equilíbrio e uma fluidez no meio de tanto livre arbítrio. Livro é um bom livro, e outra coisa não seria de esperar pelo próprio título, certo? José Luís Peixoto subiu na minha consideração alguns pontos, e não foi o último livro que li dele. Isto, embora continue a não me impressionar por aí além - está certo que certas ideias, passagens, e na fluidez, é verdadeiramente característico. Ainda assim há um qualquer entrave que comigo não entra por completo.

Nota (0/10): 8 - Muito Bom

Tiago

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 2011: Tomas Tranströmer


O poeta sueco é o vencedor do Prémio Nobel da Literatura deste ano, anunciou a Academia ao meio-dia de hoje. O autor não tem nenhuma obra editada em Portugal, segundo o que pesquisei.

Tiago

sábado, 24 de setembro de 2011

Alice no País das Maravilhas - Crítica

Nome: Alice no País das Maravilhas
Autor: Lewis Carroll
Editora: Visão
Tradução: Vera Azancot
Páginas: 93
Sinopse: "Lewis Carroll, pseudónimo do professor de Matemática Charles L. Dodgson, revelou-se como autor de histórias para crianças em que a imaginação, o humor e o nonsense imperam e nos transportam para um mundo onde tudo pode acontecer. Em Alice no País das Maravilhas, narrativa aberta a múltiplas interpretações, podemos acompanhar as aventuras extraordinárias da menina que fala com reis do xadrez, coelhos brancos, reis e rainhas de cartas, tartarugas, porcos, gatos, chapeleiros loucos... Ficando a certeza de que esta ficção insólita, além de proporcionar uma leitura divertida, suscita profundas interrogações."

A partir do momento em que me tornei fã do filme Alice no País das Maravilhas da Disney - apesar de, quando era pequenina, sempre ter sido um filme que me assustava -, quis ler este livro. Depois apareceu também o filme do Tim Burton que, ainda mais obscuro que o da Disney, também me cativou bastante. E digo mais obscuro que o da Disney porque, apesar de ser um filme cheio de cores, o da Disney tinha o gato, os gémeos, a história das ostras, a lagarta e a Rainha de Copas que me faziam tremer no sofá quando era pequena. Mas sempre foi uma aventura ver aquele filme, não haja dúvida.

É por isso que, ao abrir o livro e deparar-me com uma coisa completamente diferente do que estava à espera, fiquei decepcionada. Ao longo de toda a obra, não consegui imaginar o mundo cheio de cores que o filme nos traz à cabeça. A partir da escrita e das descrições de Lewis Carroll, imaginei sempre Alice presa num pesadelo a preto e branco. Para além disso, não consegui tirar um único significado de cada capítulo que ia passando. Sim, é um escritor de nonsense, mas aqui ele exagera demasiado nas coisas sem sentido nenhum. São noventa e três páginas sem qualquer sentido, sem qualquer linha condutora da história. Cheguei ao fim sem conseguir perceber se poderia existir qualquer tipo de moral a tirar do livro. Cheguei ao fim aliviada por o ter terminado. E não consegui perceber lá muito bem se esta obra se encaixa nas suas histórias para crianças, pois sinto que algumas partes são demasiado violentas para crianças, se é que me percebem. Penso que, nesse campo, a Disney fez um excelente trabalho ao escolher o que deveria colocar no filme ao não, já para não falar que também tirou partes de Alice do Outro Lado do Espelho, livro que ainda não li mas que temo ler, sinceramente.

Falando na edição deste livro - tinha mesmo de falar -, penso que também é algo estranho. Felizmente, existem imensas notas a explicar os trocadilhos que o autor faz. Mas sinto que algumas coisas não encaixam. Por exemplo, Alice encontra um Grifo. E o que é que acontece? Aparece um parênteses a dizer: "Se não sabes o que é um Grifo, olha para a gravura abaixo". E aparece uma gravura de um Grifo. Penso que nesta situação aquela expressão de «What the hell» se encaixa perfeitamente.

Foi assim, então, que abandonei não o sonho, mas sim o pesadelo de Alice. Pois, para mim, aquele país não continha maravilhas, mas sim armadilhas. E depois desta experiência, penso que vou continuar a adorar o filme da Disney e o filme de Tim Burton.

Personagens favoritas: Nenhuma.

Nota: 4/10 - Razoável

Sara

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Crítica - Um Homem: Klaus Klump


Título: Um Homem: Klaus Klump
Autor: Gonçalo M. Tavares
Editora: CAMINHO
Nº de Páginas: 137
Preço Editor: 10,60€

Sinopse: Há exercícios para treinar a verdade como, por exemplo, ter medo. Ou então ter fome. Depois restam exercícios para treinar a mentira: todos os grupos são isto, e todos os negócios. Estar apaixonado é a outra forma de exercitar a verdade.


Quero começar por sublinhar o que penso já ter dito alguma vez: embora não saiba bem o porquê, Gonçalo M. Tavares e os seus livros levam-me a estados de entusiasmo elevados, e deixam-me mergulhado numa sensação que não sei classificar. E que se traduz numa expressão que não sei expressar. Precisava de deixar isto bem claro; porque, quer as palavras que escreva sobre Um Homem: Klaus Klump sejam boas ou quer sejam más, este livro, como outros de Tavares, é Grande (no seu tamanho reduzido de 140 páginas).

Um livro que tem início num cenário que não identificamos logo. Começam por nos introduzir duas personagens, e nós, num curto espaço de tempo, passamos a conhecê-las. Mas a Guerra chegou. E qualquer que tenha sido a razão da sua vinda não interessa. A Guerra chegou, e mete o leitor dentro de um saco escuro, dá um laço forte na ponta, e eis que estamos aprisionados num universo cru, mau, repelente, o qual queremos compreender de forma palpável. Sem sucesso. Gonçalo M. Tavares leva-nos a passear por corredores frios e escuros, nos confins da lógica e no limite da consciência, apresentando-nos verdades facilmente constatáveis. Se é matemática, filosofia, ou uma mistura das duas? Não sei. É, isso sem dúvida, um arriscar buscar novos conceitos do mundo.

O livro tem dois planos, que muitas vezes se entrelaçam numa mesma página: o das ideias, e o dos acontecimentos. O primeiro é difícil na sua complexidade, o segundo é difícil pela sua objectividade. No mundo dos pensamentos são-nos apresentadas teorias arrepiantes, obrigam-nos a meter a mão na lama e a vasculhar o que nela se esconde; no mundo dos acontecimentos matam-se pessoas sem muita ponderação, e tratam-se outras abaixo de cão (cão este que, como animal, é usado muitas vezes nos exemplos desta obra).

A escrita de Gonçalo M. Tavares é negra neste que foi o primeiro romance que li dele (tenho dificuldade em classificar Uma Viagem à Índia). É, também, bastante característica. Detecto elementos que começo a notar que são típicos seus - o grande destaque que ele dá ao nome das suas personagens, e o abuso no número de vezes que o utiliza, deprezando por vezes a utilização de pronomes. A emoção dos momentos? Sugada completamente por um aspirador: quer nas cenas de morte, quer nas cenas de nascimento, nas de tortura, nas de paixão, todo o sentimento é sugado e guardado numa caixa a que o leitor não tem acesso. Ficam somente as imagens, e os ambientes, transmitidos de maneira não convencional.

Um livro de leitura agradável, recheado de detalhes amargos sobre o mundo. Ao longo das páginas são expostos os nossos medos e as nossas angústias. O mundo continua a girar. Gonçalo M. Tavares tem uma obra que vai beber muita cultura a muitos sítios - e depois transforma-a numa fórmula literária. Contém um final particularmente marcante - mas falo somente, e sempre, ao nível estético e intelectual. Porque em termos de emoção, a que chega até nós vem difusa e em segunda-mão, gasta pelas palavras cruas, como o luar que não vem da Lua. E que, na escuridão da noite, não deixa de ser a luz essencial.

Personagens Preferidas: Clako.

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Crítica - A Queda dos Gigantes


Título: A Queda dos Gigantes
Autor: Ken Follett
Tradutora: Alice Rocha
Editora: Editorial Presença
Nº de Páginas: 918
Preço Editor: 29,95€

Sinopse: Em A Queda dos Gigantes, o primeiro volume da trilogia "O Século", as vidas de 5 famílias - americana, alemã, russa, inglesa e escocesa - cruzam-se durante o período tumultuoso da Primeira Grande Guerra, da Revolução Russa e do Movimento Sufragista. Neste primeiro volume, que começa em 1911 e termina em 1925, travamos conhecimento com as cinco famílias que nas suas sucessivas gerações virão a ser as grandes protagonistas desta trilogia. Os membros destas famílias não esgotam porém a vasta galeria de personagens, incluindo mesmo figuras reais como Winston Churchill, Lenine e Trotsky, o general Joffreou ou Artur Zimmermann, e irão entretecer uma complexidade de relações entre paixões contrariadas, rivalidades e intrigas, jogos de poder, traições, no agitado quadro da Primeira Grande Guerra, da Revolução Russa e do movimento sufragista feminino. Um extraordinário fresco, excepcional no rigor da investigação e brilhante na reconstrução dos tempos e das mentalidades da época.


Vou começar com uma breve referência à ironia que o título deste livro contém para mim: «A Queda dos Gigantes». Eu não sou um leitor típico de livros gigantes, por mim caíam todos. Mas a verdade é que quando os termino não deixo de gostar deles. O processo de leitura é que não se adequa ao meu, que muitas vezes perco o ânimo ao empreender desafios demasiado longos. Ler um livro de 900 páginas não é igual a ler um livro de 1100 (como aconteceu o Verão passado com 'Os Miseráveis' de Victor Hugo); mas, sejamos sinceros... vai dar quase ao mesmo. Felizmente consegui obrigar-me a terminar a leitura, e digo felizmente porque, quando se termina uma obra desta dimensão, nos sentimos bem connosco próprios. Nem o livro merecia que eu não o lesse até ao fim, nem eu merecia deixar de o terminar já o tendo lido em três quartos. Adiante.

As expectativas com que parti para a leitura deste volumoso romance histórico eram altas. Do mesmo autor já tinha lido há alguns anos 'Os Pilares da Terra', e a fasquia tinha subido a um patamar literário impressionante. Para somar a isto tinha acabado de rever toda a matéria do 12º ano de História A para o dito exame, e estava entusiasmado com o século XX. A sinopse do livro deixou-me inevitavelmente entusiasmado e, levado por uma vontade que tinha vindo a adiar há já alguns meses, decidi lê-lo.

As primeiras duzentas páginas são deliciosas. Todas as vivências do quotidiano na primeira década do século XX, os ambientes de tensões sociais, e as intrigas que nos introduzem às vidas do vasto leque de personagens que passamos a conhecer. Embora estivesse a corresponder à ideia épica que idealizara acerca da obra, ler cada página era uma experiência agradável e descontraída. Mas o livro não se aguenta por 900 páginas neste nível. Claro que o começo da Guerra vem pôr de parte tudo o que de "agradável" houvesse na leitura; mas esperava que o meu entusiasmo não decrescesse, e isso acabou por, eventualmente, ir-se sucedendo...

Estamos perante uma investigação árdua por parte do autor e dos historiadores que o ajudaram, e que nos dá um autêntico painel de azulejos sobre as vivências e as ideias vivivas na altura retratada. Esta apresentação da realidade não nos é apresentada de forma maçuda. Mas, se calhar é só comigo, 900 páginas não funcionam. A guerra foi longa e dolorosa; não quer dizer que a leitura também tenha de ser assim. Além disso, encontro uma certa previsibilidade no rumo dos acontecimentos (e não me refiro, claro, aos acontecimentos históricos, que esses todos sabemos qual é o seu desfecho antes de começarmos a ler o livro), nas redes sociais que são criadas entre as personagens há qualquer coisa de óbvio. Cativante, mas diria previsível.

Foram poucas as personagens que me prenderam. Mas prenderam-me de uma forma original. Em dados momentos da história esta e aquela eram as minhas preferidas, mas mais adiante dava por mim a não gostar delas. na medida em que do princípio ao fim da obra existe um período temporal de 10 anos, acho que isto também faz sentido.

Uma leitura para corajosos, que tenham algum gosto ou curiosidade pelo tema da História do século XX. Com momentos de grande deleite, outros de alguma espera retardada pelo rumo dos acontecimentos. Alegria e dor juntos na mesma página. E uma visão quase cinematográfica imprimida nas páginas, isto é, conseguimos facilmente imaginar as imagens que nos são passadas. Fica a vontade de ler a sequela que sairá em 2012, mais pela curiosidade de ver as personagens a lidarem com os conturbados anos da Segunda Guerra Mundial do que por outras coisas. Leitura agradável, com grande pesquisa implícita, interessante - mas demasiado grande para mim.

Personagens Preferidas: Ethel, Maud, Fitz, Billie.

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

domingo, 18 de setembro de 2011

As Horas - Crítica

Nome: As Horas
Autor: Michael Cunningham
Editora: Público
Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues
Páginas: 219
Sinopse: "Em As Horas (primeiro título de Mrs. Dalloway), Michael Cunningham utiliza de forma imaginativa a vida e a obra de Virginia Woolf para contar as peripécias de personagens contemporâneas que lutam com as reivindicações contraditórias do amor e da herança, da esperança e do desespero. Segundo o modelo de Mrs. Dalloway, que se centra num só dia de vida da protagonista, o romance começa por evocar os dias anteriores ao suicídio de Virginia Woolf, em 1941, para, pouco depois, abordar a vida de duas mulheres de hoje nos Estados Unidos que tentam realizar-se e ter a vida que sempre quiseram, apesar das exigências de amigos, amantes e família. Clarissa Vaughan é uma editora que vive em Greenwich Village; conhecemo-la quando está a comprar flores para uma festa em honra do seu amigo Richard, um poeta doente com Sida que acaba de ganhar um importante prémio literário. Laura Brown é uma dona de casa da Califórnia do pós-guerra que está a educar o seu filho único e que procura a sua verdadeira vida fora do seu sufocante casamento. Com uma fácil e estranha segurança, Cunningham faz com que, de maneira inesperada e dilacerante, a vida de ambas as mulheres se entrelace com a de Virginia Woolf, no decorrer da festa de Richard. Michael Cunningham atravessa o século XX com uma narração clara, contundente e contemporânea, de um lirismo assombroso. Esta obra emocionante, profunda e comovente representa o melhor de Cunningham até hoje. Com ela o autor obteve os prémios Pultizer 1999 e o prémio PEN/Faulkner do mesmo ano."

Bem, com uma sinopse como esta mal é preciso escrever uma crítica acerca deste livro. Mas eu vou tentar fazê-lo na mesma e vou tentar não repetir as palavras escritas ali acima - o que eu acho que vai ser um bocado difícil, mas aqui vai.

É uma pena já ter visto o filme antes de ter lido o livro. Penso que só este pequeno pormenor estraga grande parte da magia da obra, pois já sabemos tudo o que vai acontecer. Sabendo isto, parti para a leitura da obra sem grande entusiasmo. No entanto, Michael Cunningham surpreendeu-me. Apesar de já saber o desenrolar de toda a história, ele tornou-a deliciosa de se ler. Ele tem um tipo de escrita fácil de compreender, com pensamentos pelo meio que se entranham em nós como se fôssemos as próprias personagens a perguntarem a si mesmas o que estará a acontecer. A partir do momento em que mergulhamos neste livro, conseguimos pôr-nos na pele de cada uma - todas elas diferentes e com as suas características.

Temos, primeiro que tudo, Virginia Woolf. Ainda não li nenhum livro dela, mas tenho ali Mrs. Dalloway para me matar a curiosidade e, sobretudo, entender melhor esta obra. Esta escritora, que tinha uma vida brilhante (tinha uma editora com o seu marido), começou a sofrer de alucinações e grandes dores de cabeça a certa altura. Tudo isso a levou a transformar-se numa pessoa estranha, sempre com medo de tudo e de nada, sempre a pensar em coisas que não cabem na cabeça de ninguém. Um dia, decide-se suicidar. No entanto, antes disso, escreveu Mrs. Dalloway, o tal livrinho que vai mudar a vida de Laura Brown, outra mulher completamente diferente - já para não falar na época em que se encontra. Esta, dona de casa dedicada, é, no fundo, muito mais do que isso. É uma mulher inteligente e com vontade de viver, presa a uma família que, apesar de amar, quer deixar para trás. Esta sua vontade de se libertar de tudo e de todos é, de facto, estranha, especialmente quando se tem tudo aquilo que sempre quis. Mas é aqui que reside a questão: será que chega? Depois existe Clarissa que, de certa maneira, parece ser a personagem principal do livro de Woolf - mas não é. Toda a sua vida também parece perfeita, mas nem tudo o que parece é.

Penso que é esta a parte mais importante do livro: o facto de o autor pegar nas vidas perfeitas de cada uma e estudá-las muito mais profundamente para mostrar a toda a gente que a superfície não é tudo. O resto do iceberg pode esconder muitas coisas - desejos, quereres, medos, paixões antigas. Que, mesmo com uma vida estável e presente, o passado paira sempre à nossa volta; e o futuro deseja-se sempre que seja melhor, mesmo parecendo que já temos tudo. O ser humano é assim, não é?

Michael Cunningham foi capaz de demonstrar que, às vezes, quando achamos que estamos felizes, finalmente percebemos que o estivemos apenas em algumas horas - horas essas que queremos que se repitam, mas que já não vão voltar. Novas virão, mas nunca iguais às anteriores. Porque cada dia que passa algo muda, mesmo parecendo que a nossa rotina é sempre a mesma. E nós só temos que aprender a agarrar essas horas e a viver ao máximo, para depois guardá-las e extrair tudo o que podemos aprender.

Personagens favoritas: Richard, Clarissa, Laura Brown, Virginia Woolf, Vanessa Woolf.

Nota: 7/10 - Bom

Sara

sábado, 3 de setembro de 2011

O Braço Esquerdo de Deus - Crítica

Nome: O Braço Esquerdo de Deus
Autor: Paul Hoffman
Editora: Porto Editora
Tradução: Mário Dias Correia
Páginas: 393
Sinopse: “A sua chegada foi profetizada. Dizem que ele destruirá o mundo. Talvez o faça…
Escutem. O Santuário dos Redentores, em Shotover Scarp, é uma mentira infame, pois lá ninguém encontrará santuário e muito menos redenção.
O Santuário dos Redentores é um lugar vasto e isolado – um lugar sem alegria e esperança. A maior parte dos seus ocupantes foi levada para lá ainda em criança e submetida durante anos ao brutal regime dos Redentores, cuja crueldade e violência têm apenas um objectivo – servir a Única e Verdadeira Fé. Num dos lúgubres e labirínticos corredores do Santuário, um jovem acólito ousa violar as regras e espreitar por uma janela. Terá talvez uns catorze ou quinze anos, não sabe ao certo, ninguém sabe, e há muito que esqueceu o seu nome verdadeiro – agora chamam-lhe Cale. É um rapaz estranho e reservado, engenhoso e fascinante. Está tão habituado à crueldade que parece imune a ela, até ao dia em que abre a porta errada na altura errada e testemunha um acto tão terrível que a única solução possível é a fuga.
Mas os Redentores querem Cale a qualquer preço… não por causa do segredo que ele sabe mas por outro de que ele nem sequer desconfia.”

Mal abrimos o livro entramos num Mundo negro onde os sorrisos não existem e onde ninguém conhece a felicidade. Thomas Cale, diferente de todos nós e igual a muitos que o acompanham, faz parte deste Mundo. Mas não é um “fazer parte” só por estar dentro dele. Ele é aquele Mundo. Com toda a crueldade e injustiça que foi criado, ele torna-se o lado negro de todas as coisas que imaginamos. No entanto, à medida que o vamos conhecendo, percebemos que é apenas mais um rapaz com a ânsia de viver. E viver, para alguém que nunca conheceu a vida na sua plenitude, é um grande desafio. Para mim, este é o ponto forte do livro: a maneira como Thomas Cale tenta viver a sua vida tão desesperadamente. Rodeado da morte iminente, ele acaba por se tornar a própria morte. Não o faz de propósito, mas é como uma maldição. Qualquer pessoa que toque, qualquer sítio que vá… a morte vai sempre consigo.

Gostei bastante do contraste entre o Santuário e Memphis, a cidade tão cheia de vida e confiança. Mergulhado nestes dois ambientes diferentes, assistimos a uma transfiguração de Cale bastante complexa e interessante de se assistir. Para além disso, mergulhamos numa existência que, a qualquer momento, pode terminar. E, desta maneira, tentamos saboreá-la ao máximo.

Entre várias filosofias da vida, desafios, duelos, provas e alguma paixão, este livro torna-se muito mais interessante do que à primeira vista parece ser. No entanto, sinto que lhe falta algo. A essência está lá, a história tem cabimento e bastante imaginação da parte do autor. Mas falta ali algum ingrediente que, talvez, só venha a descobrir nos outros dois livros que estão para sair. Se isso não acontecer, sinto que esta obra poderia ter muito mais para dar, muito mais para explorar.

Expectante pelo próximo volume, dar-lhe-ei um oito.

Personagens favoritas: Thomas Cale, Henri Vago, Riba, IdrisPukke, Simon, Bosco.

Nota: 8/10 – Muito Bom

Sara

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O Evangelho do Enforcado - Crítica

Nome: O Evangelho do Enforcado
Autor: David Soares
Editora: Saída de Emergência
Páginas: 358
Sinopse: “Nuno Gonçalves, nascido com um dom quase sobrenatural para a pintura, desvia-se dos ensinamentos do mestre flamengo Jan Van Eyck quando perigosas obsessões tomam conta de si. Ao mesmo tempo, na sequência de uma cruzada falhada contra a cidade de Tânger, o Infante D. Henrique deixa para trás o irmão D. Fernando, um acto polémico que dividirá a nobreza e inspirará o regente D. Pedro a conceber uma obra única. E que melhor artista para a pintar que Nuno Gonçalves, estrela emergente no círculo artístico da corte? Mas o pintor louco tem outras intenções, e o quadro que sairá das suas mãos manchadas de sangue irá mudar o futuro de Portugal.

Entretecendo História e fantasia, O Evangelho do Enforcado é um romance fantástico sobre a mais enigmática obra de arte portuguesa: os Painéis de São Vicente. É, também, um retrato pungente da cobiça pelo poder e da vida em Lisboa no final da Idade Média. Pleno de descrições vívidas como pinturas, torna-se numa viagem poderosa ao luminoso mundo da arte e aos tenebrosos abismos da alienação, servida por uma riquíssima galeria de personagens.”

Esta obra, apesar de ter menos de quatrocentas páginas, tem muito que se falar, sem dúvida alguma. Apesar de estar dividida em várias partes – de uma maneira um bocado estranha, difícil de acompanhar -, sinto que ela está, maioritariamente, dividida em duas partes que não estão assinaladas: Nuno Gonçalves antes de ser pintor e Nuno Gonçalves depois de ser pintor. O livro começa, exactamente, com o nascimento da personagem principal que se torna em algo que ninguém está à espera. A partir daí, várias coisas bizarras acontecem, incluindo a maneira como Nuno Gonçalves consegue retirar prazer das coisas. Esta primeira parte, na minha opinião, é a mais misteriosa e a que dá mais suspanse à obra toda. Depois Nuno Gonçalves muda-se para Lisboa com o pai e é aí que percebe que se quer tornar pintor.

Nesta segunda parte, conhecemos um leque de personagens que, de certa maneira, têm certos capítulos reservados só para si. Alguns percebe-se perfeitamente porquê, outros só se percebem no final. Outros, senti que não tinham qualquer relevância para o livro, ou então não percebi certas partes que o escritor me quis transmitir. É aqui que encontramos os quatro irmãos (pelos vistos ainda há mais um que David Soares não refere): D. Pedro, D. Eduarte, D. Henrique e D. Fernando, cada um com uma característica forte para marcar a sua personalidade. Penso que os capítulos que foram dedicados a estas personagens foram os que eu gostei mais. A partir do momento em que se gosta de História, é impossível ignorar o trabalho que David Soares teve para tornar este retrato da nobreza o mais fiel possível.

Mas o autor não o faz só com a parte histórica. Ele pega em cada página, em cada pequena história que se insere no livro, e torna-a real. Como? Com as suas descrições fantásticas. Neste livro, nada é impossível de imaginar – incluindo os Painéis de São Vicente. Sempre pensei que descrever uma pintura fosse algo impossível, mas a verdade é que David Soares conseguiu ultrapassar a minha teoria. Com isto, todas as outras descrições, de pequenas e grandes coisas, se tornam numa espécie de melodia. Até as coisas mais medonhas e nojentas eu fui capaz de imaginar. David Soares criou uma imagem na sua cabeça e foi perfeitamente capaz de transmiti-la para a minha.

Mas falando agora nos Painéis de São Vicente: o tema principal do livro. É óbvio que Nuno Gonçalves, perturbado desde a sua infância, não vai fazer exactamente como D. Pedro lhe pede para fazer a tal obra. No entanto, apesar de certos elementos que se tornam claros, não percebi o porquê de toda aquela revolta do povo português contra os Painéis. Talvez isto seja falta de informação da minha parte pois, por acaso, nunca me tinha dado ao trabalho de ler algo acerca desta obra misteriosa. Não conheço a simbologia, tal como ninguém conhece, nem as teorias que são postas em prática. Desta maneira, sinto-me uma ignorante em relação a esta parte do livro. Mas também não me posso esquecer que estar na cabeça de uma pessoa do século XV é diferente de estar na minha.

Pois, essa foi outra dificuldade minha: meter-me na cabeça de todas aquelas personagens. Com algumas consegui. Com outras, nem tanto. E sinto que, ainda assim, certos assuntos que foram abordados ao longo da obra não foram devidamente explorados. Falo, especialmente, no Geronte. Mas isso vocês vão ter que descobrir o que é.

Personagens favoritas: Geronte, Maria, Nuno Gonçalves, D. Pedro, D. Henrique.

Nota: 8/10 – Muito Bom

Sara


terça-feira, 26 de julho de 2011

Necromancia - Crítica

Nome: Necromancia
Autor: Frederico Duarte
Editora: Metaphora
Páginas: 381

Sinopse: “No lugar onde a vida e morte se fundem: onde a Terra deixou raízes e granjeou sementes; onde a magia dita a realidade; onde a matéria se prolonga no plano espiritual; onde o equilíbrio nasce da instabilidade do quatro elementos da Natureza; onde criaturas fabulosas, espécies híbridas e seres humanos se digladiam pelo domínio supremo; onde um Avatar fará a diferença… O universo conhecerá o seu fatal destino. A realidade sob o grilhão da fantasia!”


Depois de Avatar, estamos à espera que este volume do Destino do Universo seja leve e fácil de digerir como o primeiro livro. Estamos habituados àquele tom de brincadeira entre as personagens e queremos conhecer mais um pouco de Nova. Ao olharmos para a capa, algo nos diz que as coisas vão mudar. Pois preparem-se, as coisas mudam mesmo.

Com mais anos de experiência, a escrita de Frederico muda e fica muito mais madura. O que já antes era fácil de ler, agora é mesmo fluente e acompanha-nos como se fosse uma canção na nossa língua. Sem floreados nem nada dessa espécie, é cativante e ajuda-nos a passar as páginas com uma rapidez moderada. O tal tom de brincadeira quase que desaparece, pois neste livro deparamo-nos com uma situação negra: o Universo está a ser ameaçado e pode cair nas garras do mal a qualquer momento. As suas forças estão espalhadas e são poucos aqueles que sabem como o destruir.

Passamos o livro todo neste clima de guerra, de batalha. Mas não é por isso que se torna aborrecido. Muito pelo contrário, penso que Frederico Duarte soube explorar bem as cenas de batalha e tornou-as muito mais emocionantes do que poderiam ser. Estamos constantemente à espera que as coisas se resolvam, mas elas parecem vir sempre a piorar. Conhecemos uma nova faceta de Nova e também novas raças. Deparamo-nos com novas paixões e outras já antigas que se foram desenvolvendo. E, ao contrário do que eu estava à espera, o fim deixa-nos realmente surpresos.

É uma obra muito mais negra que a anterior, sem dúvida alguma. Mas não deixa de ser boa. Deixa-nos com aquela vontade e aquele gostinho para continuar a ler. Só esperamos que Frederico Duarte consiga trazer-nos o terceiro volume para as mãos, pois o Destino do Universo não pode esperar!


Personagens favoritas: Nathan, Jenny, Vlad, Thelma, Raptor, Hannah, Feroltz.

Nota: 8 – Muito Bom

Sara

terça-feira, 19 de julho de 2011

Capa d' «A Dança dos Dragões»


Divulgada pela editora há minutos. Adoro a capa... A 9 de Setembro nas livrarias. Mal posso esperar!


Tiago
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