sábado, 26 de fevereiro de 2011

Crítica - Estorvo


Título: Estorvo
Autor: Chico Buarque
Editora: Publicações D. Quixote / IMPRESA Publishing
Nº de Páginas: 155
Preço Editor: 1€

Sinopse: «Chico Buarque, compositor, cantor, poeta, escritor e dramaturgo é uma das figuras mais populares da cultura brasileira. Conhecido pelas suas canções, é no entanto um ficcionista de indiscutível talento. Narrativa simultaneamente poética e alucinante, Estorvo constitui uma grande metáfora do Brasil e porventura do mundo contemporâneo. Uma das mais sólidas obras da literatura brasileira dos últimos tempos, e um livro de grande sucesso em Portugal.»


Segunda-Feira de manhã, e é dia de escolher um novo livro para começar a ler, porque terminei um na véspera. A minha mão é como que guiada (por mim próprio, claro está) até um dos livros da colecção Autores Lusófonos, que adquiri o ano passado com a revista Visão, e do qual ainda não tinha lido nenhum. A capa é simples, tem desenhado um buraco daqueles para se ver através da porta - um «olho mágico -, que é uma representação da cena inicial do livro. A obra escolhida, quase que ao acaso, é «Estorvo», de Chico Buarque.

Chico Buarque. Nome tão badalado internacionalmente, e eu que só o conhecia de uma ou outra música mais famosa. Vira o seu nome como autor de «Leite Derramado», lançado aqui há um ou dois anos. Não sabia mais nada. Não sabia, por exemplo, que na sua escrita sentiria alguns toques de José Luís Peixoto e José Saramago, no que compete à liberdade de linguagem. Nem me tinha passado pela cabeça que o português brasileiro fosse tão melódico na sua forma escrita como falada. Mas vim a descobrir que estas coisas eram verdade, e foram revelações que aumentaram quase de imediato o meu interesse na leitura. Estava perante um livro que me cativava e desafiava de alguma maneira.

A permissa é interessante. Um homem só, que é um estorvo para todos os que conhece. Mas que não perdeu a esperança na vida, continua a estar presente aqui e ali, continua a acreditar numa saída. Que, naturalmente, não lhe aparece. Digo "naturalmente" porque parece que o próprio destino joga contra ele. O sentimento de abandono e solidão está presente ao longo de todo o texto, mesmo nas situações em que se desenrolam animadas conversas à sua volta. Isto resultou muito bem para mim enquanto leitor.

Tinha lido uma crítica ao livro que apontava como ponto negativo uma característica que, curiosamente, achei das mais cativantes - o recorrente uso da possibilidade. Isto é, o narrador põe-se a supôr acontecimentos, e desenvolve na sua cabeça sequências imaginárias de como as coisas se desenvolveriam de determinada maneira. Eu sei que esta explicação foi confusa, mas foi dos elementos que mais gostei no livro. Há um «sabor agridoce» ao longo das páginas, nas palavras, um «poderia ter sido assim». Mesmo quando as coisas estão mal, o narrador acredita que estão bem, ou que se hão-de resolver. Neste aspecto, é um homem desesperado e positivo, ao mesmo tempo.

O leque de personagens é interessante, embora a linha da história não seja totalmente perceptível. O enredo sofre muitos desvios e variações, desconcentrando o leitor. Mas como o que mais importa parece ser o estado psicológico do narrador, e não os acontecimentos à sua volta (dos quais ele se alheia, aliás), o livro segue o seu rumo sem grandes problemas. Sente-se nas palavras os aromas de uma América do Sul, que é notoriamente diferente da África que li o ano passado em Mia Couto e Ondjaki. Uma dualidade campo/cidade que assusta um bocadinho mais, no sentido de que uma pessoa que se desvie um pouco da sociedade, pode perder-se completamente. Senti isso.

Apesar da edição estar pejada de erros gráficos - o que seria de esperar de um livro que custou 1€ com a revista Visão? - encontrei uma leitura agradável, com alguma profundidade em termos de caracterização da personagem central, mas que ainda assim não deixa de ser um pouco confusa em termos lógicos e de compreensão. Gostei de ler, fiquei com vontade de voltar a experimentar Chico Buarque numa outra oportunidade, mas esteve longe de ser uma leitura arrebatadora. Um livro para se ler descontraído, e para o qual se deve partir com as expectativas baixas - o que é depois recompensado na experiência de leitura.

Personagens Favoritas: Narrador.

Nota (0/10) : 7 - Bom

Tiago

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O que têm em comum a «Bang! 9» e o «Lydo e Opinado»?


É que o segundo é referido na primeira. É verdade! Já está nas FNAC's de todo o país o mais recente número da revista portuguesa de literatura fantástica, ficção científica e horror. Ontem fui buscar um exemplar, e folheei a revista em plena loja. Os meus olhos passando distraidamente os olhos pelas páginas. Até que umas letras pequenas me passaram pela vista, como se tivesse imaginado. Concentrei-me, e lá estava. Lá estava mesmo!



Na página 12, em pleno artigo histórico do escritor e professor universitário António de Macedo, uma nota "[30]" a seguir a um parágrafo que fala sobre a importância dos blogs literários hoje em dia:

«Penso todavia que neste momento o que está a contar com muita força em termos de crítica, tano especializada em FCF como generalizada, é o que se passa na Internet e a incomensurável abundância, sempre crescente, de sites e blogues que, cada vez mais, substituem e se sobrepõem à crítica literária em papel. Neles tem lugar, por entre as mais diversas reflexões crítico-literárias, uma atenção permanente à edição de livros e outras publicações, com resenhas e comentários diversificados, e bem estimulantes nalguns casos, à literatura portuguesa na área da FC e do Fantástico».

Na nota, o autor refere-se aos URL's de alguns blogs que encontrou. E segue-se uma lista de aproximadamente 20 blogues, dos quais o Lydo e Opinado é o 5º a ser referido! Como poderão imaginar, fiquei louco de alegria por ver, pela primeira vez, o nome do blog editado em algum lado - em papel! É muito bom poder ser reconhecido desta forma, no trabalho (quase 100% lazer) que temos vindo a efectuar ao longo dos últimos dois anos e meio.


Entre todos os outros blogs referidos, sou visitante assíduo da maioria deles, e fiquei contente por ver alguns nomes também presentes. Quanto à BANG!, vou lê-la integralmente ao longo da próxima semana, e depois darei a minha opinião completa, como, aliás, fiz com o número 8.

Tiago

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um prémio para «Uma Viagem à Índia»!


Foi com alegria que assisti ontem à entrega dos prémios Autor 2011 da Sociedade Portuguesa de Autores, na RTP1. Alegria porque, na categoria de Melhor Livro de Ficção Narrativa, o vencedor foi «Uma Viagem à Índia», de Gonçalo M. Tavares. Li este livro há aproximadamente um mês e meio, e devo dizer que o adorei, como aliás poderão ler na minha crítica ao mesmo carregando aqui.

Nas palavras do editor de Tavares, que foi receber o prémio, é uma sorte para nós, leitores, sermos contemporâneos deste autor, e podermos acompanhar o desenvolvimento da obra deste. Disse ainda que acha inegável de que este livro vai entrar na história da Literatura Portuguesa! Depois de ter lido 3 livros de Gonçalo M. Tavares, incluo-me neste grupo de entusiastas da sua obra, mas também confesso que será difícil acompanhar o ritmo de lançamentos enquanto leitor.

A quem não leu, fica o conselho. «Uma Viagem à Índia» é um livro verdadeiramente bom.

Tiago

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Crítica - O Outono em Pequim


Título: O Outono em Pequim
Autor: Boris Vian
Tradutora: Luísa Neto Jorge
Editora: Publicações D. Quixote
Nº de Páginas: 290
Preço Editor: 16,15€

Sinopse: «Ao contrário do que o título possa indicar, esta história não se passa no Outono nem em Pequim, mas no imaginário deserto da Exopotâmia, onde um estranho Sol emite raios negros e um grupo de pessoas bastante original tenta construir uma estação de comboios com vias- -férreas que levam a lado nenhum. Num cenário onde reinam o ilógico, o absurdo e o improvável, Vian, misturando um fantástico humor com uma desigual quantidade de náusea, introduz várias personagens excêntricas, tais como os melhores amigos Ana e Ângelo, ambos engenheiros, e Rochela, que se apaixona pelo primeiro, e se torna sua amante, enquanto Ângelo está loucamente apaixonado por ela. Além deste trio, deparamos ainda com o doutor Manjamanga, o arqueólogo Atanágoras Porfirogénito e Pipa, o dono do hotel, entre outros - todos eles num lugar que se assemelha a Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, onde existe um matiz negro e tudo é possível, excepto a felicidade».


Eu sabia que, ao escolher este livro como minha próxima leitura, estava a arriscar-me. Tinha acabado de ler há pouco tempo o «Alice do Outro Lado do Espelho», que não se revelara do meu agrado, e agora partia para um romance de absurdo escrito pelo autor Boris Vian. Resultado: apercebi-me, pela segunda vez num curto período de tempo, que provavelmente não estou na fase certa da minha vida enquanto leitor para ter receptividade a uma leitura destas.

Quero dizer... a mensagem do livro está lá, desde o princípio, agora que olho para trás. A vida é tão banal e temos tantas superficialidades, e no fundo qual é o sentido de tudo isto. O livro debruça-se sobre estes pensamentos. Mas eu só me apercebi desta moral demasiado tarde, já ia mergulhado na segunda metade. E, compreender, só compreendi mesmo na última dezena de páginas. Ou seja, o óbvio não se revelou nada óbvio para mim. E isso foi provavelmente um obstáculo a uma leitura mais profunda.

O tom é... horripilante, cru, repugnante. A palavra repugnância encaixa naquilo que, principalmente na primeira metade, achei deste livro. Despertava em mim emoções negativas, de fazer caretas com o que era narrado, de me querer afastar daquele espaço tão surreal. Mas, ao mesmo tempo, assistia com uma certa neutralidade. Chocava-me mas não me chocava - é possível esta contradição? Foi o que senti.

O tempo demorado a narrar as características de cada uma das personagem é, talvez, excessivo. E são tantas. Mas à medida que avançamos nas páginas, vamos compreendendo mais nitidamente quais os traços que caracterizam cada uma delas. Existe no abade Joãozinho um apontar de dedo aos erros cometidos pelas instituições religiosas, e nas reuniões do conselho uma forte crítica à forma como as coisas são tratadas burocraticamente. Cinismos por todo o lado. Este lado crítico está presente ao longo de toda a obra!

Não tenho a certeza se gostei da tradução. Mas não sei dar exemplos concretos de partes que me tenham agradado menos. E isto é um velho problema - se não se lê o original e não se compara com a tradução, não há maneira de ver se está bem ou mal traduzido. Já a edição da D. Quixote, embora boa ao nível da parte física do livro, está pontilhada de algumas gralhas, aproximadamente uma dezena: ora de falas sem travessão, ora de paragráfos descritivos com um travessão de fala... Pequenas coisas, mas que perturbam um pouco a leitura.

Este livro é uma metáfora muito interessante sobre a sociedade em que se vive, que não passa de um deserto, onde se servem interesses - muitas vezes ao serviço de não sabemos bem quem. Pelo meio mete-se o amor. O desejo. Num turbilhão de personagens e acontecimentos que são o turbilhão da população do nosso mundo e do que constantemente acontece à nossa volta. Mas, ainda assim, não me cativou. A mensagem está bem transmitida, mas só a percebi quando terminei. A leitura teve quase sempre um ritmo lento e estranho, apesar das peripécias sempre a acontecerem. Um tom surreal e absurdo que não me convenceu, embora não saiba explicar o porquê. Qualquer coisa.

Personagens Preferidas: Manjamanga e o interno.

Nota (0/10): 6 - Agradável

Tiago

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Contos da Chuva e da Lua - Crítica


Título: Contos da Chuva e da Lua
Autor: Ueda Akinari
Tradutor: Manuel João Gomes
Editora: Editorial Estampa
Nº de Páginas: 193
Preço Editor: 8,59€


Este «Contos da Chuva e da Lua» é um livro escrito há mais de duzentos e quarenta anos, no tempo do Japão imperial, por um senhor letrado de nome Ueda Akinari. Na verdade, chama-se Akinari Ueda, mas como os japoneses por vezes têm este hábito de trocar a ordem de nome próprio e apelido, ficou conhecido desta forma. O livro é constituído por uma série de nove contos, cada um deles escrito com um estilo ligeiramente diferente, e inovador para a época. O fio que os une? A temática? Todos têm em comum a presença do sobrenatural, que em quase todos os casos se manifesta na forma de uma aparição fantasmagórica a meio da noite, quando a chuva se afasta e dá lugar ao brilho do luar. Daí o título do livro.

Agora a forma como estas aparições se manifestam, as histórias por trás, o porquê da sua aparição; isso é que vai variando. E depois temos contos que se debruçam mais para a temática da História do Japão; temos um que reflecte filosoficamente sobre a temática da riqueza e da cobiça; e outros que se refugiam em temáticas mais domésticas - amizades, casamentos, etc. Mas não só. Temos ainda, por exemplo, um caso de metaformose. E mais não adianto.

Ueda Akinari tem um estilo interessante e próprio. Claro que, sendo um clássico, não se consegue desviar de alguns cânones existentes na literatura. Há, contudo, uma particularidade - é que este padrão clássico é assente por completo no oriente, nos valores orientais, nos mitos chineses e nipónicos. Neste aspecto, as notas da edição portuguesa da Editorial Estampa foram muito importantes, na ajuda para a compreensão de cada conto - sublinham pormenores que dão mais sentido a cada história, explicam a simbologia de determinados objectos da história. E, dessa forma, tudo se torna mais claro.

Quando ao aspecto do 'terror', ou 'horror', andava há algum tempo à procura de um livro deste género, por curiosidade. Ele está presente, de facto, mas na maioria dos contos não tem como verdadeira intenção perturbar o leitor - serve mais de aviso e correcção da moralidade. Com a excepcção de um conto, em que me senti verdadeiramente perturbado: «A Caldeira de Kibitsu». É uma história de vingança, que me fez arrepiar por diversos momentos. Principalmente porque o tipo de escrita permite visualizar bem as imagens, nas descrições. Já os diálogos, podem parecer-nos algo artificiais, por constituírem longas unidades de discurso, com respostas ainda mais compridas. Mas, aí está, é a componente clássica do livro.

Dando agora uma volta ao assunto, passando pelo porquê de ter lido este livro, cito uma frase da tradutora do autor japonês Haruki Murakami numa entrevista que deu: «Este livro “Contos da Lua e da Chuva”, de Ueda Akinari, é muito caro ao Murakami, que de vez em quando regressa a ele; e aquele mundo dos fantasmas presente na obra dele tem que ver com este universo que aqui está.». Ora sendo Haruki Murakami o meu autor de eleição, tive curiosidade em partir para uma obra que lhe inspirara a criar o imaginário fantasmagórico da sua obra. E descobri, de facto, alguns pontos de conexão. Escusado será dizer que achei entusiasmante explorar este "ponto de partida".

Resumindo, é um livro interessante de ser lido. Não o aconselho, talvez, a qualquer pessoa. Quem já leu alguma obra oriental talvez esteja melhor preparado - caso contrário talvez possa ser um choque. Depois, não se esqueçam que estamos perante uma obra clássica, e deve-se dar um desconto nesse aspecto. No entanto, é de uma leitura que achei entusiasmante, e com um conteúdo digno de exploração. Gostei muito.

Contos Preferidos: «A Casa nos Canaviais», «Carpas, como em Sonhos» e «A Caldeira de Kibitsu».

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Avatar - Crítica

Título: Avatar
Autor: Frederico Duarte
Editora: Metaphora
Páginas: 467

Sinopse: "No lugar onde vida e morte se fundem; onde a Terra deixou raízes e granjeou sementes; onde a magia dita a realidade; onde a matéria se prolonga no plano espiritual; onde o equilíbrio nasce da instabilidade dos quatro elementos da Natureza; onde criaturas fabulosas, espécies híbridas e seres humanos se digladiam pelo domínio supremo; onde um Avatar fará a diferença... O universo conhecerá o seu fatal destino.
A realidade sob o grilhão da fantasia!"


O facto de parte da acção deste livro se passar em Lisboa, ao início deixou-me um bocado de pé atrás. Estou tão habituada a tentar imaginar locais aonde nunca fui que não estava à espera de me encontrar num ambiente tão familiar. Mas, rapidamente, esse sentimento foi embora. Fui transportada para um mundo completamente diferente que, apesar de previsível em certas alturas, me encheu desde a primeira à última página.

Encontrei-me perante um livro cheio de acção; a cada página que passava, sentia que tudo se desenrolava à minha volta. Cores, velocidade, cheiros, movimentos... Apesar de, a cada capítulo, haver uma batalha - pelo menos é assim até, mais ou menos, metade do livro - isso não me deixou aborrecida. Transportada para aquela adrenalina, li o livro com uma rapidez estonteante, à mesma velocidade que os acontecimentos se desenrolavam.

Para além de Frederico Duarte me ter sugado para este mundo paralelo, também conseguiu criar um leque de personagens fantásticas, sólidas. Criei laços com quase todas, tendo cada uma a sua particularidade ou a sua raça diferente. Sabendo que a maior parte das personagens são inspiradas em pessoas que fazem parte do autor, fiquei com uma certa curiosidade em conhecê-las na vida real.

Senti que as cenas de batalha estavam muito bem descritas, ao contrário dos cenários por onde a heroína do livro ia passando. Sinto que não fiquei a conhecer Nova como deve de ser, que Frederico podia tê-lo descrito muito mais. No entanto, o autor tem uma escrita leve e fácil de entender. E sente-se uma certa evolução ao longo do livro, especialmente nas falas entre as personagens.

Apesar de previsível em certos aspectos, achei o livro muito bom. E é por isso que lhe vou dar um oito.

Personagens favoritas: Hanna, Fred, Thelma, Raptor.

Nota: 8 - Muito Bom

Sara

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Crítica - Alice do Outro Lado do Espelho


Título: Alice do Outro Lado do Espelho
Autor: Lewis Carroll
Tradutora: Margarida Vale de Gato
Editora: Relógio D'Água
Páginas: 160
Preço Editor: 30€


Li a «Alice no País das Maravilhas» há aproximadamente um ano. Na altura, desiludi-me um bocadinho com o que encontrei, talvez por encontrar um universo menos colorido e vivo do que esperava. Devido a isso, parti para a sequela com as expectativas num patamar mais baixo. Mas «Alice do Outro Lado do Espelho», o segundo e último volume desta saga, voltou a não atingir a fasquia do que eu esperaria, tendo ficado aquém do que desejava.

A história é demasiado estranha. Quero dizer, ainda mais do que a do primeiro livro. Por diversas vezes me perdi, desorientado com a linha narrativa, e é-me difícil enquanto leitor perceber exactamente o que se está a passar em cada cenário. Digo isto porque existe uma tempestade de novos elementos que vão sendo adicionados à cena sem aviso prévio: de repente, Alice dá por si numa loja. De repente, a meio de uma conversa, repara que tem um remo na mão. Ora os objectos e os cenários mudarem à velocidade de um «click» é complicado, mesmo fazendo um esforço na imaginação.

Talvez o livro seja daqueles que pedem mais do que o normal ao leitor, mais compreensão e mais abertura; e eu não estive apto para me dedicar a ele. É claro que apreciei e compreendi os jogos de palavras, e os de lógica. E algumas das personagens são interessantes e divertidas. E a cena das flores é para mim, de todas, a mais apelativa. As reflexões e os pensamentos expostos têm uma profundidade relativa abordada de raspão. Só que... não me puxou. As 160 páginas passaram a correr, sem tempo para respirar fundo. E não se trata da velocidade de leitura, e sim da velocidade da acção! Frenética, súbita!

A constante comparação (não)-metafórica com o jogo de xadrez podia ter sido melhor aproveitada. Perde-se a meio. Aqueles mundos imaginários têm tanto por onde se explorar, mas depois as coisas acabam por cair no cúmulo do (demasiado) ridículo, ultrapassando aquilo que teria graça. As situações lançam-se em catadupa umas à frente das outras, a tentarem reclamar um lugar. E o leitor fica... desculpem a expressão, a apanhar do ar. Foi assim que me senti.

Não consegui acompanhar. Não sei se não foi o momento certo para escolher o livro, mas Lewis Carroll agarrou-me ainda menos desta vez. Talvez não tenha tido o espírito suficientemente aberto para ler uma obra deste género. Ou então o non-sense quebrou as barreiras do aceitável. Não sei. Mas não funcionou. Esta leitura, comigo, agora, não funcionou.

Personagens Preferidas: As Flores.

Nota (0/10): 5 - Satisfatório

Tiago

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Crítica - Dança, Dança, Dança


Título: Dança, Dança, Dança
Autor: Haruki Murakami
Tradutora: Maria João Lourenço
Editora: Casa das Letras
Nº de Páginas: 473
Preço Editor: 20,19€

Sinopse: «Em Dança, Dança, Dança, Haruki Murakami continua a trajectória da personagem de Em Busca do Carneiro Selvagem, agora à procura do seu antigo amor que desapareceu misteriosamente do Hotel Golfinho. Nessa nova busca, o narrador, um jornalista freelancer, perde-se cada vez mais num universo de realismo fantástico, quase kafkiano, envolvendo-se com personagens verdadeiramente singulares: uma adolescente clarividente, um actor de cinema extravagante, um poeta maneta e prostitutas de luxo. Ambientado em Tóquio, este romance aborda temas como a solidão, o amor e a efemeridade da vida e retrata uma sociedade em constante transformação, altamente consumista e regida por valores como a fama, o dinheiro e o poder. Ao som de músicas dos anos 60, 70 e 80, o narrador e os seus amigos acabam por se envolver num caso de homicídio.»


Neste preciso instante, sinto uma vontade tremenda de escrever uma longa análise acerca deste livro; e, ao mesmo tempo, faltam-me as palavras para esta curta critica. Por onde começar? Pelo re-afirmar da frase já muito batida por mim - Haruki Murakami é o meu autor preferido. Não tenho dúvidas. Depois do que já li dele, não tenho qualquer dúvida de que esta seja a minha verdade actual. Ler um livro de Murakami é uma experiência rara, de absorção e magia, de distorção da realidade, de musicalidade presente no quotidiano, tudo isto e mais.

«Dança, Dança, Dança» é a sequela de «Em Busca do Carneiro Selvagem», que por sua vez concluiu o ciclo da Trilogia do Rato. Regressamos ao narrador sem nome, à sua vida, aos seus pensamentos; e é um regresso tão acolhedor que nos sentimos absolutamente em casa. Isto apesar do princípio desta obra não ser propriamente dos mais fáceis - Murakami, na minha opinião, tem nos diálogos entre as personagens um dos seus grandes trunfos; e nos primeiros três capítulos existe uma quase inexistência deles. Só a partir do quarto ou quinto é que o solo da obra passou a ser permeável, e me comecei a afundar.

Já não parto na expectativa de gostar ou não. É quase um dogma que tenho enquanto leitor. A probabilidade de não vir a gostar de um livro dele vai diminuindo à medida que o leio mais. Em «Dança, Dança, Dança», temos um regresso aos cenários, tão modificados; e conhecemos tantas personagens novas, e tão cativantes. O próprio narrador parece estar mais interessante do que nunca. O universo aprimorou-se neste quarto livro da saga do Rato.

Senti nesta obra um... «peso japonês»... que não tinha sentido tão intensamente nas outras. Isto apesar de, a certa altura, sairmos do cenário do Japão - facto raro em livros do autor. Mas há qualquer coisa nas relações das personagens, nos actos de algumas delas, mais oriental do que o habitual. Uma simples impressão minha.

O livro é viciante. Custa deixá-lo de lado, apetece lê-lo pela noite dentro, mantermo-nos por dentro da história. E agora vem a questão do enredo - muito pouco linear, ao contrário do que encontramos no «Em Busca do Carneiro Selvagem». É que em «Dança, Dança, Dança», não temos uma intriga bem definida, vamos vagueando, vamos dançando, dançando, dançando. Daí que não goste de algumas partes da sinopse, e mesmo de críticas de jornais mundias quando se referem a Murakami, utilizando temas como «thriller», «policial», «investigação», ou «o narrador e os seus amigos acabam por se envolver num caso de homicídio» (o exemplo deste livro). Nada mais errado. Isto é um distorcer completo da imagem que este livro deixa. Não se trata de mistério, nada disso. Se não tivesse sido por acaso que descobri o autor, nunca teria comprado um livro seu pelas sinopses que normalmente são apresentadas. É um erro associar estes temas às obras dele...

As personagens vão deixar saudades. Existem momentos de beleza incrível, majestosa, como se víssemos uma paisagem arrebatadora ao vivo. As emoções das personagens, as relações tão complexas, o surreal presente a cada momento, o realismo mágico que tanto me fascina... «Dança, Dança, Dança» é um dos melhores livros que li de Haruki Murakami. No fim do livro, resta um sentimento de vazio, de continuidade, de... pegarmos noutro livro, iniciarmos uma nova leitura, ainda com a cabeça totalmente centrada na anterior... e irmos dançando à medida que a vida passa. Imensamente tocante e poderoso.

Personagens Preferidas: O narrador, Yuki, e Yumiyoshi.

Nota (0/10): 10 - Perfeito!

Tiago
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