Título: Estorvo
Autor: Chico Buarque
Editora: Publicações D. Quixote / IMPRESA Publishing
Nº de Páginas: 155
Preço Editor: 1€
Sinopse: «Chico Buarque, compositor, cantor, poeta, escritor e dramaturgo é uma das figuras mais populares da cultura brasileira. Conhecido pelas suas canções, é no entanto um ficcionista de indiscutível talento. Narrativa simultaneamente poética e alucinante, Estorvo constitui uma grande metáfora do Brasil e porventura do mundo contemporâneo. Uma das mais sólidas obras da literatura brasileira dos últimos tempos, e um livro de grande sucesso em Portugal.»
Segunda-Feira de manhã, e é dia de escolher um novo livro para começar a ler, porque terminei um na véspera. A minha mão é como que guiada (por mim próprio, claro está) até um dos livros da colecção Autores Lusófonos, que adquiri o ano passado com a revista Visão, e do qual ainda não tinha lido nenhum. A capa é simples, tem desenhado um buraco daqueles para se ver através da porta - um «olho mágico -, que é uma representação da cena inicial do livro. A obra escolhida, quase que ao acaso, é «Estorvo», de Chico Buarque.
Chico Buarque. Nome tão badalado internacionalmente, e eu que só o conhecia de uma ou outra música mais famosa. Vira o seu nome como autor de «Leite Derramado», lançado aqui há um ou dois anos. Não sabia mais nada. Não sabia, por exemplo, que na sua escrita sentiria alguns toques de José Luís Peixoto e José Saramago, no que compete à liberdade de linguagem. Nem me tinha passado pela cabeça que o português brasileiro fosse tão melódico na sua forma escrita como falada. Mas vim a descobrir que estas coisas eram verdade, e foram revelações que aumentaram quase de imediato o meu interesse na leitura. Estava perante um livro que me cativava e desafiava de alguma maneira.
A permissa é interessante. Um homem só, que é um estorvo para todos os que conhece. Mas que não perdeu a esperança na vida, continua a estar presente aqui e ali, continua a acreditar numa saída. Que, naturalmente, não lhe aparece. Digo "naturalmente" porque parece que o próprio destino joga contra ele. O sentimento de abandono e solidão está presente ao longo de todo o texto, mesmo nas situações em que se desenrolam animadas conversas à sua volta. Isto resultou muito bem para mim enquanto leitor.
Tinha lido uma crítica ao livro que apontava como ponto negativo uma característica que, curiosamente, achei das mais cativantes - o recorrente uso da possibilidade. Isto é, o narrador põe-se a supôr acontecimentos, e desenvolve na sua cabeça sequências imaginárias de como as coisas se desenvolveriam de determinada maneira. Eu sei que esta explicação foi confusa, mas foi dos elementos que mais gostei no livro. Há um «sabor agridoce» ao longo das páginas, nas palavras, um «poderia ter sido assim». Mesmo quando as coisas estão mal, o narrador acredita que estão bem, ou que se hão-de resolver. Neste aspecto, é um homem desesperado e positivo, ao mesmo tempo.
O leque de personagens é interessante, embora a linha da história não seja totalmente perceptível. O enredo sofre muitos desvios e variações, desconcentrando o leitor. Mas como o que mais importa parece ser o estado psicológico do narrador, e não os acontecimentos à sua volta (dos quais ele se alheia, aliás), o livro segue o seu rumo sem grandes problemas. Sente-se nas palavras os aromas de uma América do Sul, que é notoriamente diferente da África que li o ano passado em Mia Couto e Ondjaki. Uma dualidade campo/cidade que assusta um bocadinho mais, no sentido de que uma pessoa que se desvie um pouco da sociedade, pode perder-se completamente. Senti isso.
Apesar da edição estar pejada de erros gráficos - o que seria de esperar de um livro que custou 1€ com a revista Visão? - encontrei uma leitura agradável, com alguma profundidade em termos de caracterização da personagem central, mas que ainda assim não deixa de ser um pouco confusa em termos lógicos e de compreensão. Gostei de ler, fiquei com vontade de voltar a experimentar Chico Buarque numa outra oportunidade, mas esteve longe de ser uma leitura arrebatadora. Um livro para se ler descontraído, e para o qual se deve partir com as expectativas baixas - o que é depois recompensado na experiência de leitura.
Personagens Favoritas: Narrador.
Nota (0/10) : 7 - Bom
Tiago