segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Crítica - Underground (O Atentado de Tóquio e a Mentalidade Japonesa)

Título: Underground (O Atentado de Tóquio e a Mentalidade Japonesa)
Autor: Haruki Murakami
Tradutora: Susana Serras Pereira
Editora: Edições Tinta-da-China
Páginas: 461
Preço Editor: 22,31€ (15,6€ pelo site da editora)

Sinopse: «A data é 20 de Março de 1995. Está uma bela e límpida manhã de Primavera. Ainda se faz sentir uma brisa fria e as pessoas andam agasalhadas, de casaco. Ontem foi domingo, amanhã celebra-se o Equinócio da Primavera, é feriado nacional. Ensanduichado no meio do que deveria ter sido um fim-de-semana longo, está provavelmente a pensar “Quem me dera não ter de ir trabalhar hoje”. Mas não tem tal sorte. Levanta-se à hora do costume, lava-se, veste-se, toma o pequeno-almoço e dirige-se à estação de metro mais próxima. Entra para a carruagem, apinhada como de costume. Nada de anormal. O dia promete ser perfeitamente igual a todos os outros dias. Até ao momento em que cinco homens disfarçados direccionam os seus guarda-chuvas de pontas afiadas para o chão da carruagem, perfurando uns sacos de plástico cheios de um líquido estranho…». Um dos mais famosos episódios do terrorismo contemporâneo, o atentado de Tóquio não só traumatizou as vítimas directas como abalou toda a sociedade japonesa. O que sentiram os sobreviventes do ataque? Como reagiram? Como explicar a obediência dos fiéis seguidores do líder da seita Verdade Suprema? Em «Underground», Murakami compõe as entrevistas que realizou a dezenas de vítimas do gás sarin e a vários membros da Aum Shinrikyo (Verdade Suprema), tecendo uma narrativa em que procura compreender a relação entre o atentado e a mentalidade japonesa.

Um dos motivos que fazem de Haruki Murakami o meu autor preferido é o facto de partir para um livro seu sempre com a certeza de que uma maneira ou de outra me vai surpreender. Isso aconteceu com os sete trabalhos de ficção que li até agora dele, e também com o de não-ficção “Auto-Retrato do Escritor enquanto corredor de fundo”. Mesmo o seu primeiro, “Hear The Wind Sing”, que após ter terminado fiquei com uma sensação de que faltaria qualquer coisa, me tinha surpreendido pela atmosfera para onde me tinha puxado. Acontece que “Underground – O Atentado de Tóquio e a Mentalidade Japonesa” é uma obra composta de entrevistas feitas pelo autor às vítimas de um ataque de gás sarin no metropolitano da capital japonesa, e na segunda metade aos membros/ex-membros da seita que provocou o atentado.

Primeiro que tudo, e antes de iniciar a minha opinião, quero deixar uma nota muito positiva à editora Tinta-da-China, que edita este livro em Portugal. É a primeira obra de Murakami que leio fora do domínio da Casa das Letras, e adorei o conceito gráfico desta edição.

A primeira metade ainda nos envolve por algum tempo. Não digo que a segunda não deixe de ser agradável de ler, mas a primeira tem ainda um toque muito particular de Murakami, nomeadamente em dois capítulos seguidos que se encontram entre as páginas 121 à 140. Estas dezanove páginas são de todo o livro as mais marcantes; atingem um elevado nível de escrita e conferem-lhe uma grande emotividade. O segundo desses dois capítulos, particularmente, e apesar de não-ficção, está carregado das palavras e do génio do escritor japonês. São páginas de arrepiar e, no fim, aplaudir, ainda que só vamos a um terço do livro e falte ainda muito para terminar. Mas o que senti é que, se o livro terminasse ali, já não ficávamos mal servidos de todo. Foram talvez 20 das melhores páginas que li neste ano de 2010.

Que pena é, no entanto, que esse expoente não se tenha esticado mais. O livro é um retrato de pessoas, que falam de si próprias e das suas vidas. E sim, é espantoso o trabalho jornalístico feito por Murakami, é espantoso o painel de vidas a que de repente temos acesso, é interessante ver as dezenas de perspectivas diferentes acerca de um único acontecimento. E em relação à segunda metade, o interesse e a curiosidade mantém-se em descobrir que, afinal, os membros da seita Aum são afinal pessoas normais, que podiam ser qualquer um de nós. Sem qualquer ligação ao atentado, muitos não queriam acreditar sequer que tinha sido a sua religião a provocar tal monstruosidade.

É, pois, ponto assente: o livro está original e muito bem concebido. Para um ensaio de não-ficção, composto por dezenas de entrevistas, e um retrato dos acontecimentos passados no dia 20 de Março de 1995 em Tóquio, está aqui uma obra de grande valor – e à qual tenho a certeza que o autor dispensou todos os seus esforços e profissionalismo.

Não posso, no entanto, dizer que fiquei totalmente satisfeito com esta leitura. Porque não fiquei. Com os autores muito bons, há sempre o risco de haver um livro que esteja um pouco abaixo daquilo que nos habituou, e depois desilude-nos. Acho muito boa a capacidade que ele tem de se dividir entre os estilos narrativos e os de investigação e ensaio, mas a verdade é que “Underground” não me deixou agarrado, por exemplo. Enquanto um todo, é interessante, mas ao longo da leitura foram poucos os momentos em que senti “não posso parar, vamos lá ver como é que isto continua”. É um estudo, eu diria quase um retrato social. Fica-se a aprender muito sobre o Japão e o modo de vida das pessoas. E sim, isso foi muito bom e saio mais rico desta leitura. Mas faltou um qualquer tempero que esperaria vindo de Murakami. Excepto naquelas vinte páginas. Aquelas vinte páginas…

Nota (0/10): 7 - Bom

Tiago

2 comentários:

De Amor e de Terra disse...

Olá Patrícia, boa noite. Por vários motivos, tenho andado muito fugida; no entanto, li o teu convite e aqui estou, ainda que com atraso, como ultimamente vem sendo hábito. Hoje, porém, vim só para te saudar; outro dia virei com
mais tempo para te deixar a minha impressão. Apear disso, dou-vos (a tri e ao Tiago) os meus parabéns!
Bjs.
Maria Mamede

De Amor e de Terra disse...

Peço desculpas pelos erros no comentário acima.
Bjs.
M.M.

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