A minha expectativa era muita, quase como se se tratasse do lançamento de um livro há muito esperado. O que era estranho, pois não passava do número 8 de uma revista que eu nunca lera. A Bang!, revista dedicada ao fantástico literário, com a chancela da Saída de Emergência, era uma daquelas publicações que eu nunca lera. Ora porque era editada em e-book, ora porque só era posta à venda através do site. Num entanto, agora no fim de Outubro, em virtude de uma parceira fortíssima com a FNAC, conseguiu assegurar a sua distribuição por todas as lojas do país pertencentes a essa cadeia de livrarias. Melhor ainda – gratuitamente, a cores, e com excelente qualidade.
Desengane-se quem pense que se trata de um catálogo. A Bang! é muito, muito mais do que isso. É verdade que aproximadamente um terço dos livros referidos pertencem à Saída de Emergência (não que seja mau, repare-se), mas existem muitas outras referências a livros de outras editoras portuguesas, e até estrangeiras. E para lá dos livros, ainda mais importante: a ficção publicada, e os ensaios de excelente qualidade. Ao ler a Bang! 8 de uma ponta à outra, senti-me na presença de um guia do fantástico que me fascinou pela surpresa.
Segue-se uma análise minha dedicada a cada uma das secções/contos/ensaios da revista:
- • Do «Editorial» só tenho a dizer bem. Com as palavras de Safaa Dib ficamos a saber um pouco melhor do que se trata o projecto, da sua história, e, enfim, entusiasma-nos a partir para a leitura. Sou fã de editoriais… de referir, no fundo da página, a originalidade dos créditos da revista, que pode passar despercebida: com “director e escravo das galés: Luís Corte Real”, “colaboradores explorados nesta edição”, “autores convidados à bruta”, e “tiragem de revirar os olhinhos”. Só alguns exemplos!
- • A página «Ilustrador da Capa» parece-me justa e interessante, dignificando assim o trabalho do ilustrador, e dando a conhecer um pouco mais da sua obra. Embora não tenha ficado particularmente interessado na carreira de Alejandro Dini.
- • As páginas «Colecção Bang!» também foram do meu agrado. Claro que gostei de ver o “Sonho Febril” destacado, como aliás não podia deixar de ser. Das novidades prometidas, destaque para “A Corte do Ar”, e o livro de contos de David Soares. São os que estão sob a minha vigia…
- • «M., de malária» é um conto de José Eduardo Agualusa, publicado numa antologia de vampiros aqui há uns meses, e agora na revista Bang. É o primeiro texto que leio do autor, embora já tivesse lido críticas de livros do mesmo. Não me surpreendeu por aí além, e até tenho de dizer que foi talvez o conto desta edição que menos me cativou. Com muita pena minha.
- • «A (Minha) História de Duna», texto de Jorge Candeias, é uma crónica do autor e tradutor sobre a experiência de tradução do livro de ficção científica Duna, publicado há pouco tempo pela Saída de Emergência. Ponto positivo: a descontracção do Candeias a escrever é notória, e cria empatia e relação com quem quer que leia. Ponto negativo: não me cativou particularmente para a leitura do livro, tendo até adiado as minhas perspectivas de leitura. Foi sincero nas suas palavras, e eu, acreditando, adio Duna para outra altura da minha vida.
- • O melhor conto de toda a revista Bang 8 foi para mim o de George R. R. Martin – “Com a manhã chega a neblina”. Como todos saberão, sou fã assumido do autor de fantasia. Mas é inacreditável como o mesmo me continua a surpreender a cada texto que leio – desta vez tratando-se do primeiro conto que leio dele. Martin dá um estilo cativante ao texto, dá-lhe um final profundamente meditativo e surpreendente, e, fugindo ao que seria de esperar nele, presenteia-nos com uma quase moral da história que não me deixou indiferente. Muito bom.
- • «Os livros das minhas vidas» é uma crónica que a cada mês vai ter um convidado diferente. Talvez a dimensão de apenas uma página tenha sido causa para não ter apreciado por aí além. Afonso Cruz fez as suas escolhas, e falou especificamente de uma. Mas caíram assim como que num vazio… sem grande contextualização, ou introdução.
- • A secção «Távola Redonda» deixou-me rendido, e aqui fica a sugestão de apostarem bem nela! Convidam cinco autores para falarem acerca de um dado tema, e nesta edição falaram da publicação. Artigo muito informativo e esclarecido, com alguns pormenores bastante interessantes. Diverti-me particularmente com alguns pontos de vista de Inês Botelho, que revelou ter contactado as editoras para a sua primeira obra através das listas telefónicas. Achei graça!
- • O conto «A boa gente de Sodoma», de Matthew Rossi (a ser publicado em Portugal para 2011) não me chamou a atenção, talvez pelos termos técnicos demasiado desenvolvidos para a minha cabeça. Num estilo que torna científica a ficção (ficção científica!), dá-nos uma explicação “óbvia” sobre algumas das consequências das viagens no tempo. Não me surpreendeu.
- • António de Macedo é autor do ensaio cuja 1ª parte nos é apresentada nesta revista: «Os mundos imaginários do fantástico português». Muito interessante de ler, do princípio ao fim, revela-nos factos históricos da existência do género Fantástico em Portugal mesmo desde a Idade Média, e posso dizer que aprendi muita coisa ao longo das oito páginas de texto. Fico a aguardar ansiosamente pela continuação destas páginas de história…
- • Outro conto o qual não gostei por aí além foi «Os Cascos e o Casebre de Abdel Jameela”, conto finalista do Prémio Nébula 2009, escrito por Saladin Ahmed. Talvez com um imaginário demasiado cru, não sei bem explicar, acabou por não me convencer muito. De princípio confuso e desenvolvimento pouco rico, fiquei com a sensação de que apenas certos momentos foram de facto bons de ler. Mas é claro que isto se trata apenas da minha opinião!
- • «Légolas, rói-te de inveja!» é um artigo escrito sobre uma saga de elfos negros que saiu agora publicada pela Saída de Emergência e que, para ser sincero, não me cativa minimamente. Não sei se é por não fazer o meu género preferido de fantasia, se pelo estilo de escrita, se… não sei. E depois de ler o artigo continuei sem estar interessado. Há livros com que uma pessoa embirra sem ter lido, não é? Acontece-me com muitos de vampiros, e agora com este…
- • Do conto «Felicidade» de Inês Botelho esperava tão mais! Se calhar porque tinha as expectativas demasiado elevadas, pareceu saber-me a pouco. Claro que se ela desenvolvesse, e evoluísse para algo um pouco mais longo, eu pudesse ter-me agarrado com outra garra. Mas o tamanho parece não ter jogado a favor, e fiquei apenas com uma sensação de ter gostado, mas de quem queria mais. Sou um leitor fã de Inês Botelho, pelo que ela nos tem dado nos mais variados géneros, e foi bom vê-la aventurar-se numa distopia. Um bom trabalho, mas que me soube a pouco.
- • «Nova Vaga, Novas Capas» reflecte um período muito específico da história editorial da ficção científica, durante os anos 60. Mostra a evolução das capas, a acompanhar as mudanças sociais ocorridas na época, e foi bom ter acesso a este ponto de vista. No fundo, as decisões editoriais relativas a grafismos e capas nunca são feitas ao acaso. Há sempre bases e porquês para determinadas escolhas…
- • O texto de não-ficção « Fantasia Urbana ou Romance Paranormal?», da Safaa, explora este mistério que é a catalogação dos livros por géneros, subgéneros, subsubgéneros, etc. E que para mim sempre foram exactamente isso: um mistério, sempre relativo. Ficamos um pouco mais explicitados, e foi interessante de ler.
- • «As Cidades do Segundo Esquerdo», de Afonso Cruz, é talvez um dos contos que mais gostei de ler logo a seguir ao de George Martin, talvez pela escrita e originalidade me terem surpreendido. Fiquei apenas com pena do tamanho, porque tenho a certeza que a temática dava para construir um projecto muito maior!
- • A secção de críticas foi uma desilusão. A sério. Esperava umas 10 páginas de críticas boas, mas o que li foram na sua maioria resumos dos livros; e posso dizer que pela blogosfera já tenho lido críticas aos mesmos livros, melhor realizadas! Sem querer desvalorizar o trabalho de quem as fez, senti que se agarraram muito ao enredo, e se afastaram um pouco da opinião (excluindo uma ou duas específicas de que gostei mais). Espero que apostem nesta secção um pouco mais, e alarguem, pois para mim a crítica é sempre uma área na qual se deve apostar, para que os leitores percebam se devem ou não ler um livro, segundo a opinião de uma dada pessoa. Mais objectividade, talvez.
- • A secção de Banda Desenhada foi agradável de ler, com o seu artigo sobre a série “The Walking Dead”, livro que vi traduzido para português no outro dia na FNAC.
- • A última página foi também do meu agrado, com as novidades literárias do fantástico esperadas para o próximo trimestre. Apenas como ponto negativo uma dada parte da crítica à trilogia de Anne Bishop, que me parece conter alguns spoilers (sérios?) no princípio do último parágrafo. Espero que não me estrague a surpresa da leitura…
No fundo, uma das poucas coisas que não gostei na Bang é do seu carácter trimestral que por mim, apenas leitor, podia ser reduzido! Embora compreenda perfeitamente o trabalho que dá fazer uma publicação destas. Cá estarei para ler o próximo número, e aqui fica a nota para todos os leitores do Lydo e Opinado: vão buscar a revista a uma FNAC perto de vocês. Ok? BANG!
Tiago